quinta-feira, 12 de dezembro de 2013

Herança indígena

Pintura de Debret retratando cerimônia de dança dos Puri


Ao contrário dos Goitacá, os Puri — que vieram de São Paulo fugindo das "entradas e bandeiras" — sobreviveram ao domínio colonial, assimilando a cultura dos colonizadores  e perdendo sua identidade indígena

O fracasso dos colonizadores portugueses em relação aos índios Goitacá — praticamente dizimados por não aceitarem o seu subjugo — não se repetiu em relação a outra população indígena que viveu no Norte/Noroeste Fluminense: os índios Puri. Nômades, os índios Puri iniciaram no século XVII uma longa jornada pelo vale do Rio Paraíba do Sul, com o objetivo de escapar das “entradas e bandeiras” — que aprisionavam índios para o trabalho compulsório na exploração de ouro. Deixaram São Paulo e acabaram se fixando na bacia inferior do Paraíba, entre os rios Pomba, Negro e Muriaé.

De acordo com o estudo “Diversidade étnica dos indígenas na bacia do baixo Paraíba do Sul.
Representações construídas a partir da Etnohistória e da Arqueologia”, da historiadora Simonne Teixeira, as principais fontes históricas acerca deste período estão nos relatos dos viajantes e naturalistas estrangeiros que estiveram na região ao longo do século XIX. Muitos deles tiveram contato direto com os índios, cuja estrutura social já se encontrava muito fragmentada devido à interferência dos colonizadores. Freis capuchinhos italianos comandavam dois aldeamentos importantes na região: São José de Leonissa (atualmente São Fidélis) e Aldeia da Pedra (atualmente Itaocara), e muitos indígenas mantinham relações de trabalho com os colonizadores portugueses.

— No entanto, os relatos de naturalistas como Maximiliano e Burmeister, que estiveram por esta região em meados do século XIX, nos dão conta de que os índios Puri ainda seguiam nômades e com um reduzido conjunto de pertences, somente o suficiente para a sua sobrevivência no ambiente de densa vegetação em que viviam — diz Simonne, que atua no Laboratório de Estudo do Espaço Antrópico (LEEA) do Centro de Ciências do Homem (CCH) da UENF.

Segundo Simonne, o nomadismo dos índios é associado pelos autores a um paupérrimo conjunto de pertences. Burmeister, por exemplo, relata que “a choça do Puri se constituía de leves habitações, feitas de folhas de palmeira e assemelhando-se a grande gaiola de pássaros”.  Maximiliano escreve que os índios Puri possuíam poucos utensílios e que abandonavam suas moradas, as mais primitivas do mundo, “sem saudades, quando a região circunvizinha não mais lhes garante alimentos suficientes”.

— Com o processo de deflorestamento para a lavoura do café, os índios foram perdendo espaço. Muitos passaram a trabalhar nas fazendas, como diaristas, sobretudo no corte de árvores e carregamento de lenha pelo rio. O pagamento era irrisório: às vezes recebiam em troca tabaco, aguardente ou tecidos coloridos. Há muitos relatos de índios vivendo em estado de miséria — afirma, acrescentando que, ao final do século XIX, os índios “desaparecem” por completo da região, o que leva a crer que foram assimilados como parte da sociedade brasileira.

Segundo Simonne, o fato de a população indígena brasileira não ter deixado fontes textuais ou iconográficas contribuiu, durante muito tempo, para o pouco interesse pela história dos habitantes primitivos do Brasil. Francisco Adolfo Varnhagen chegou a afirmar que não haveria história para os índios, mas apenas “etnografia”, alegando que eles estariam “na infância da humanidade, em estado de barbárie e de atraso”. Para os historiadores antigos, os índios eram “seres terríveis, meio-feras, meio-gentes, sem lei, nem fé e nem rei, entregues a toda sorte de vícios e luxúria”.

— Esse modo de ver os índios como povos detentores de uma bestialidade primitiva pertencia ao ideário português, já claramente manifestada no processo de conquista e colonização da África. Para os primeiros historiadores, a história era movida pelo avanço da civilização europeia, enquanto os índios eram “meros objetos da ciência”, podendo, “quando muito, lançar alguma luz sobre as origens da história da humanidade, como fósseis vivos de uma época muito remota”  — diz Simonne.

Os naturalistas e viajantes foram, portanto, os principais construtores das representações sobre os índios. Até o século XX, a historiografia brasileira desprezou os indígenas, ignorando sua existência e a convivência entre eles e os brancos ao longo do processo de colonização e avanço para o interior.

— Certamente a pouca tradição acadêmica no Brasil, com a ausência de universidades até a transferência da Corte portuguesa, contribuiu para o parco conhecimento da população. A história dos índios no Brasil, até os anos 1980, foi basicamente uma crônica de sua extinção. O melhor seria dizer: a crônica de um povo que teimava em não desaparecer.

Fulvia D'Alessandri

sexta-feira, 6 de dezembro de 2013

Pesquisa busca controle biológico de vermes usando fungos

Estudos da UENF podem levar a método alternativo de controle do parasito em criação de ovinos; vermes adquirem resistência a produtos convencionais

Clóvis de Paula: 'Controle gradual'
O controle de vermes é fundamental em qualquer criação comercial, mas os vermífugos convencionais com o tempo perdem o efeito porque os parasitos adquirem resistência. Buscando um controle alternativo, pesquisadores da UENF vêm trabalhando em pesquisas que utilizam fungos nematófagos (que matam nematoides) para controlar verminoses em rebanhos de ovinos. Os estudos são coordenados pelo professor Clóvis de Paula Santos, do Laboratório de Biologia Celular e Tecidual (LBCT) da UENF.

Os fungos nematófagos podem ser encontrados em muitos lugares na natureza. Eles estão, por exemplo, no solo de florestas e de áreas cultivadas, em pastagens, em esterco ou em vegetação em decomposição. Coletados em ambiente natural, eles têm sido cultivados em laboratório para servir às pesquisas. Misturados à alimentação do rebanho, os fungos são expelidos pelas fezes junto com os ovos de vermes. É ali, no pasto, que os fungos atacam os próprios ovos ou, principalmente, as larvas que resultam de sua eclosão.

Como os ovos evoluem muito rápido, os pesquisadores da UENF têm apostado nas espécies de fungos que atacam as larvas. Atualmente, os estudos se concentram na espécie Duddingtonia flagrans. Ao matar as larvas presentes nas fezes, os fungos reduzem a contaminação do pasto e a reinfecção dos carneiros e ovelhas.  Segundo a literatura científica, 97% dos vermes vivem no pasto, e não dentro nos animais.

- Estamos tentando uma metodologia de controle gradual, que tende a mostrar resultados ao longo de certo tempo. À medida que o animal ingere os fungos misturados com seu alimento, ele elimina estes fungos pelas fezes e eles combatem os vermes que nasceriam ali, interrompendo o ciclo reprodutivo do parasito - explica Clóvis.

A grande vantagem do “remédio natural” é que ele não perde seu efeito por conta de resistência dos vermes, ao contrário do controle químico. Outro ponto positivo é que certas espécies de fungos atacam nematoides das mais variadas espécies, e não apenas uma ou outra. Mas a pesquisa ainda tem desafios importantes para superar.

Um deles é identificar e elevar o chamado “tempo de prateleira” do produto, encontrando uma maneira de tornar mais longo o período em que os fungos permanecem vivos para serem usados no combate aos vermes. Outra tarefa é descobrir como obter grandes quantidades dos fungos para permitir a produção em larga escala do remédio alternativo. Em laboratório, a equipe do professor Clóvis já testou o cultivo em arroz parboilizado, milheto, milho, subprodutos da cana-de-açúcar como o bagaço e a torta de filtro e até nas próprias fezes dos animais. O melhor resultado até agora foi o uso de canjiquinha, feita de milho triturado.

Fungos usam de ‘astúcia’ para capturar nematoides


Duddingtonia flagrans predando nematoide Panagrellus spp
Clóvis de Paula Santos está na UENF desde 2001, quando veio da Embrapa Gado de Leite, onde tinha atuado durante nove anos. Desde então ele vem pesquisando o uso de fungos nematófagos no combate a vermes em rebanhos.

Os estudos apontam situações muito interessantes da luta entre estes dois inimigos naturais, que travam batalhas só perceptíveis com o uso de microscópios. Os fungos têm diversas estratégias para matar os vermes. Alguns são chamados predadores e usam armadilhas. Eles assumem a forma de um entrelaçamento de filamentos (chamados hifas), com anéis adesivos (que grudam no nematoide “desavisado”) ou constritores (que se fecham e matam o verme), entre outros tipos de armadilhas.

Mas há outras situações em que os fungos se apresentam não como hifas, e sim protegidos por uma espécie de casca dura - forma tecnicamente chamada de esporos. Na forma de esporos os fungos infectam o nematoide, seja se deixando engolir por ele, seja germinando e penetrando ativamente em seu organismo. Uma vez inserido no verme, a destruição é questão de tempo.

Nos testes de laboratório e de campo, o produto tem dado bons resultados. Mas ainda é preciso avançar para se chegar a um produto que possa ser usado pelo produtor.

Gustavo Smiderle