terça-feira, 26 de fevereiro de 2013

Toxoplasmose é endêmica em Campos

Problema é maior onde não há água tratada nem rede de esgoto, diz pesquisadora da UENF 

Lílian Bahia
Assim como ocorre em outros municípios do país, a toxoplasmose é altamente endêmica em Campos, principalmente entre a população de baixa renda — exposta ao risco de infecção devido à falta de acesso à água tratada e à rede de esgoto. Estudiosa do assunto há quase 20 anos, a professora Lílian Bahia, do Laboratório de Biologia do Reconhecer (LBR) do Centro de Biociências e Biotecnologia (CBB) da UENF, é autora do artigo Immunological and Immunogenetic Parameters on the Diversity of Ocular Toxoplasmosis: Evidence to Support Morphological Criteria to Classify Retinal/Retinochoroidal Scar Lesions in Epidemiologic Surveys (‘Parâmetros Imunológicos e genéticos na diversidade da toxoplasmose ocular: evidências que suportam critérios morfológicos para a classificação cicatrizes de lesões em levantamentos epidemiológicos’).

O artigo é um dos capítulos do livro Toxoplasmosis - Recent Advances, publicado há cerca de cinco meses pela editora InTech na modalidade ‘open access’ (acesso livre de custos). Até o início de fevereiro, o capítulo — que apresenta como coautores alguns dos alunos e ex-alunos do Programa de pós-Graduação em Biociências e Biotecnologia orientados pela professora Lílian — contava com mais de 800 acessos. Nesta entrevista, Lílian comenta o artigo e fala sobre a toxoplasmose, que pode levar à cegueira ou, no caso de pacientes imunodeprimidos, a problemas neurológicos graves.

Ciência UENF - Qual o objetivo de suas pesquisas na área de toxoplasmose?

Lílian - Temos trabalhado em Campos com imunoepidemiologia da toxoplasmose, buscando marcadores moleculares e genéticos associados à manifestação ocular da toxoplasmose. Em nossas pesquisas, observamos que as pessoas que apresentam lesões oculares da toxoplasmose podem ser agrupadas de acordo com o grau de destruição da retina. Quanto mais destruição houver na retina, mais grave será a lesão. Um considerável percentual de pessoas apresenta lesões mais leves. Temos estudado o perfil imunológico e genético para algumas moléculas e genes destas pessoas e observamos que há uma correlação  tanto do perfil imunológico quanto do perfil gênico que se associam ou à susceptibilidade ou à resistência para a manifestação ocular da toxoplasmose. Esses estudos são promissores para abrirem novas perspectivas para o tratamento e prevenção da toxoplasmose.

Ciência UENF – Como a toxoplasmose é adquirida? 

Lílian - A toxoplasmose é uma zoonose (infecção que afeta tanto animais quanto humanos) causada pelo parasita intracelular obrigatório Toxoplasma gondii. Ela pode ser adquirida durante a gestação, das seguintes formas: quando a mãe se infecta estando grávida ou quando se infecta e logo após (um período breve de tempo) engravida. Pode também ser adquirida pela ingestão de cistos do parasita (chamados oocistos) presentes no meio ambiente, que podem contaminar água, solo e plantas (hortaliças). Pode ainda ser adquirida pela ingestão de cistos do parasita presentes em carnes para consumo humano mal passadas, em especial a carne de carneiro e a de porco. E ainda é possível adquirir a toxoplasmose em situações de transplante de órgãos, como, por exemplo, quando o doador tem toxoplasmose e o receptor não tem.

Ciência UENF - E quais os sintomas da doença?

Toxoplasma gondii
Lílian - Os sintomas variam de acordo com o tempo passado após a aquisição da infecção (fase aguda ou crônica)  e o momento em que foi adquirida — na vida intrauterina (infecção congênita) ou após o nascimento, na infância ou na vida adulta. Quando a infecção se dá após o nascimento, (tanto na infância quanto na vida adulta) os sintomas podem passar despercebidos. Mas há casos em que ocorrem sinais mais evidentes, como prostração, febre, infartamento ganglionar, principalmente cervical, ou seja, sintomas que são também comuns em um quadro gripal ou de mononucleose,  por exemplo. Mais tardiamente, a pessoa que adquiriu toxoplasmose após o nascimento pode ou não apresentar sintomas neurológicos e/ou visuais. Um percentual que pode variar dependendo da região (por exemplo, no sul do Brasil esse percentual é diferente do Rio de Janeiro) apresenta principalmente sintomas oculares, que podem ou não ter impacto na qualidade da visão. Às vezes pode haver perda parcial ou total da visão, dependendo da extensão da lesão na retina e se há lesão em apenas um ou em ambos os olhos. Os problemas neurológicos em geral aparecem quando há uma imunossupressão importante, como no caso das infecções pelo HIV, em alguns tipos de câncer e em situações de transplante. É importante ressaltar que, no caso de infecção após o nascimento, os relatos dos sintomas podem ser diferentes entre adultos e crianças, em função da capacidade de relatá-los. Muitas vezes a criança pode apresentar embaçamento visual, por exemplo, e não saber relatar o fato.

Ciência UENF – E quanto à infecção adquirida durante à gestação?

Lílian - Na infecção adquirida durante a gestação, os sintomas e sinais  dependem da etapa da gestação em que a mãe adquiriu a infecção. Quanto mais cedo na vida gestacional o bebê for infectado, mais grave será a infecção, que pode inclusive causar o aborto. Os sinais podem ou não ser evidentes ao nascimento e também podem ser de ordem neurológica e oftalmológica. Novamente, nos casos em que os sinais não forem evidentes ao nascimento ou na primeira infância, poderão ser relatados tardiamente quando a criança for capaz de constatar uma baixa visual, por exemplo. Da mesma maneira, a pessoa que adquiriu toxoplasmose na vida intrauterina correrá os riscos de apresentar sintomas neurológicos e/ou visuais nas mesmas situações em que apresenta uma pessoa que adquiriu a toxoplasmose após o nascimento, ou seja, em situações de infecções pelo HIV, alguns tipos de câncer e em transplantes de órgãos.

Ciência UENF – Como é o tratamento?

Lílian - O tratamento é feito à base de sulfas e pirimetaminas. Via de regra, estes medicamentos não curam a doença, mas são prescritos para crianças e em casos de doença neurológica e ocular com o objetivo de diminuir a quantidade de parasitas livres que saem das células para infectar outras células, ou seja, outros tecidos. O tratamento não elimina (mata) os protozoários que já estão dentro de cistos, os quais têm uma eficiência grande para encistar rapidamente.

Ciência UENF – Como é a situação da doença em Campos dos Goytacazes?

Lílian - Em Campos, assim como em outras regiões do Brasil, a toxoplasmose é altamente endêmica, ou seja muito prevalente,  principalmente para a população exposta ao risco de infecção ambiental por educação precária, falta de acesso à água tratada e à rede de esgoto, isto é, a população economicamente mais sacrificada.

Ciência UENF - O que você relata no capítulo do livro recém publicado?

Lílian - O reconhecimento das cicatrizes encontradas na retina e coroide de pacientes com toxoplasmose, e que presumivelmente são causadas pela infecção com o parasito Toxoplasma gondii, é subjetivo e condicionado à experiência individual do médico oftalmologista que examina o paciente. Algumas cicatrizes são universalmente reconhecidas pela grande maioria dos oftalmologistas. Já outras podem deixar margens de dúvida quanto ao agente etiológico. Neste capítulo mostramos evidências epidemiológicas relativas ao perfil genético e à resposta imune específica ao parasito por parte de pacientes portadores de lesões na retina e ou retina e coroide que dão suporte à classificação de lesões que podem não vir a ser reconhecidas/identificadas como sendo causadas pela infecção com o parasito Toxoplasma gondii. Nossa proposta tem o potencial de auxiliar a melhor compreensão dos fenômenos envolvidos na relação parasito-hospedeiro na toxoplasmose ocular e pode vir a ser útil para auxiliar no manejo clínico da toxoplasmose ocular bem como para melhor estimar a real prevalência da toxoplasmose ocular no mundo, em especial no Brasil. No Brasil  há discrepâncias  entre a prevalência da toxoplasmose ocular em áreas de prevalência sorológica similar para a toxoplasmose. Essa última questão é bem discutida no capítulo tomando como exemplo ilustrativo algumas áreas estudadas no Brasil.

Fúlvia D'Alessandri

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