sexta-feira, 13 de março de 2015

Coluna Nutrição - Afinal, comer ou não alimentos com glúten?




Afinal, comer ou não alimentos com glúten? 

Luiz Fernando Miranda da Silva
Karla Silva Ferreira

Aquele indivíduo com diarreia aguda acompanhada de dor e desconforto abdominal após comer alimentos contendo centeio, trigo ou cevada, pode apresentar reação autoimune ao glúten, denominada doença celíaca1, ou terem a síndrome Não Celíaco Sensível ao Glúten (NCGS), transtorno proposto em 2012 na Alemanha, na Segunda Reunião entre Especialistas em Sensibilidade ao Glúten (2,3).

Embora não se tenha estimativa concisa sobre o número de habitantes NCGS, acredita-se que seja maior do que os acometidos pela doença celíaca (1%). Nos EUA, a doença celíaca afeta 1,13% da população (1) e, no Brasil, dependendo da região, afeta entre 0,5% e 1,9% da população (4). Pessoas com pais ou avós doentes celíacos possuem maior chance de ter a doença, sem que necessariamente, apresente sintomas de sensibilidade (5).

O glúten está presente em quase todos os alimentos derivados de grãos de trigo, aveia, centeio e cevada, como pão, massas, biscoitos, bolos e torradas. O grão do trigo, assim como os demais cereais citados, contém no endosperma (tecido de reserva de nutrientes) o complexo de proteína chamada glúten (6) formado por duas proteínas: a gliadina e glutenina (Fig 1 e 2).  Quando misturado à água, o glúten forma uma massa viscosa e elástica capaz de aprisionar o gás carbônico produzido durante a fermentação, conferindo a textura e aparência característica do pão e bolos de trigo. Existem produtos não derivados dos cereais citados acima que possuem glúten como aditivo alimentar que lhe confere propriedade coesão-adesão (7) (ex.: cárneos triturados e do tipo surimi para produção de kani (7) e até em temperos (8)).




Quando ingerido, algumas frações peptídicas da gliadina oriundas da digestão parcial do glutén são reconhecidas pelas células linfocíticas T CD4+ desencadeando resposta inflamatória autoimune, causando em médio e longo prazo dano ao tecido intestinal, achatamento da mucosa e queda na capacidade da mesma em absorver nutrientes, resultando em diarreia, dor abdominal, produção excessiva de gases, anemia, osteoporose, baixo crescimento e, ou desnutrição (1,3,12).

O diagnóstico da doença deve ser feito por médicos e não é simples, uma vez que os sintomas se confundem com outras doenças inflamatórias intestinais (1). Portanto, é preciso investigar o estado nutricional do paciente, principalmente bioquímico (ferro, vitamina B12 é ácido fólico) (12), sobretudo a presença de anticorpos antigliadina, antiendomísio e antitransglutaminase nas secreções intestinais (5). Ainda assim, a biopsia intestinal antes e após a retirada do glúten na dieta é definitivo (5,1).

Recomenda-se aos pacientes sensíveis ou alérgicos ou glúten a  isenção do mesmo da dieta, mas isto pode ser difícil, uma vez que os produtos à base de cerais estão presentes em diversos alimentos preparados. Alguns doentes em tratamento abandonam a dieta (30%) (13) podendo não apresentar sintomas significativos, ao passo que outros são mais sensíveis e podem ter reação aguda mesmo ingerindo pequena quantidade de alimentos com glúten. Ou seja, o grau de tolerância varia entre estes doentes.  Desta forma, o ideal é a isenção de glúten dietético e promover a vigilância do que ingere, por exemplo, lendo os rótulos nutricionais na secção “ingredientes”.

Na figura 3 é apresentado um rótulo nutricional referente a um bolo. Observe que, além da informação nutricional, são apresentados os ingredientes utilizados em sua fabricação seguidos da frase “Contém glúten”. Nota-se que o produto contém farinha de trigo e, por sua vez, o glúten. Segundo a Lei Federal no 10.674, todos os fabricantes da indústria alimentícia devem escrever nas embalagens de todos os alimentos industrializados se o alimento contém ou não o glúten (5).



Trigo, cevada, centeio e aveia são as principais fontes de glúten (12), e cada glúten possui complexo de proteína peculiar. No trigo está presente a gliadina, na cevada a hordeína (14), e no centeio a secalina (15). O efeito tóxico causado por estas prolaminas está associado à gliadina e hordeína. Sobre a secalina há poucas evidências (15) e sobre a avenina há evidências de que quantidade limitada não é prejudicial aos doentes sensíveis ao glúten. Para verificar o efeito dietético da avenina, pesquisadores finlandeses mostraram que a ingestão diária de 49 g de aveia não provocou efeito adverso na mucosa intestinal em doentes celíacos diagnosticados (16), e, em 2014, a Associação Celíaca Canadense se posicionou a favor do consumo diário de até 70 g de aveia como seguro aos doentes celíacos (17). No Brasil, ainda não existe parecer semelhante.

Está na moda a dieta sem glúten e a recomendação para a restrição do consumo vinha sendo adotada de forma indiscriminada, o que levou o Conselho Regional de Nutricionistas (CRN-3) a promover um encontro científico para a discussão do tema no Brasil. Neste encontro ficou acordado que a eliminação do glúten da dieta só deve acontecer mediante diagnóstico clínico confirmado de doença celíaca, de dermatite herpetiforme, de alergia ao glúten, ou quando, eliminada a hipótese de doença celíaca, haja diagnóstico clínico confirmado por médicos de sensibilidade ao glúten (intolerância ao glúten–não celíaca ou NCGS).

Embora a dieta sem glúten contribua para o emagrecimento, uma vez que há menor ingestão de alimentos ricos em carboidratos tornando mais fácil o alcance do déficit energético, e, portanto, a perda de gordura corporal, a prática não é recomendada para este fim pelo risco de prejuízos à saúde, como perda de músculos e deficiência nutricional.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

1. DAN L, et al. Medicina interna. 18ª edição. Porto Alegre. Artmed. 2013, 3416p.
2. CZAJA-BULSA G. Non coeliac gluten sensitivity e A new disease with gluten intolerance. Clinical Nutrition xxx. 2014, 1: 1-6
3. CATASSI C, BAI JC, BONAZ B, BOUMA G, CALABR_O A, CARROCCIO A, et al. Non-celiac gluten sensitivity: the new frontier of gluten related disorders. Nutrients 2013; 5:3839 - 53.
4. MOURA, ACA et al. Triagem sorológica Pará Doença celíaca em adolescentes e Adultos Jovens, Estudantes Universitários . Rev. Bras. Mater Saude. Infant. 2012, 12(2):121-126.
5. _____. Presidência da República. Lei 10.674, de 16 de maio de 2003. Obriga a que os produtos alimentícios comercializados informem sobre a presença de glúten, como medida preventiva e de controle da doença celíaca. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis /2003/l10.674.htm. Acesso em: 04 jan. 2014.
6. EMBRAPA. Composição proteica dos grãos. Disponível em <http://ainfo.cnptia.embrapa.br/digital/bitstream/item/34981/1/Rodrigues-1.pdf>. Data de acesso: 8 jan. 2015.
7. DAMODARAN S, PARKIN KL, FENNEMA OR. Química de alimentos de Fennema. 4ª edição. Porto Alegre/RS. Artmed. 2010.
8. BRASIL. Sala de Imprensa . Anvisa alerta celíacos sobre alimentos com problemas de rotulagem. Disponível em: < http://s.anvisa.gov.br/wps/s/r/etS>. Data de acesso 07 jan. 2015.
9. MUNDO SIMPLES. Imagem do trigo. Disponível em <http://www.mundosimples.com.br /gifs/grao-de-trigo.jpg>. Data de acesso: 08 jan. 2015.
10. FOLD. Produtos. Disponível em <http://www.fold.pt/wp-content/uploads/2013/05/erva-trigo4.jpg>. Data de acesso: 07 jan. 2015.
11. FASANO A. Zonulin and Its Regulation of Intestinal Barrier Function: The Biological Door to Inflammation, Autoimmunity, and Cancer. Physiol Rev. 2011, 1:91.
12. SHILS M E, SHIKE M, ROSS A C, CABALLERO B, COUSINS R J. Nutrição Moderna na Saúde e na Doença. 10ª ed. Rio de Janeiro. Manole. 2006, 222p.
13. SDEPANIAN VL, MORAIS MB, FAGUNDES-NETO U. DOENÇA CELÍACA: avaliação da obediência à dieta isenta de glúten e do conhecimento da doença pelos pacientes cadastrados na Associação dos Celíacos do Brasil ACELBRA). Arq Gastroenterol , 2001. 38 (4): 232-239.
14. ECHART-ALMEIDA C, CAVALLI-MOLINA S. Hordein polypeptide patterns in relation to malting quality in Brazilian barley varieties. Pesq. agropec. bras. 2001, 36 (2):211-217.
15. STENMAN SM, et al. Degradation of coeliac disease-inducing rye secalin by germinating cereal enzymes: diminishing toxic effects in intestinal epithelial cell. Clinical and Experimental Immunology. 2010, 161: 242-249.
16. JANATUINEN EK et al. A comparison of diets with and without oats in adults with celiac disease. the new england journal of medicine. 1995, 333(16):1033-1037.
17. CANADIAN CELIAC ASSOCIATION. Professional Advisory Board Canadian Celiac Association. Declaração de Posição sobre Oats. 2014. Disponível em < http://www.celiac.ca/?page_id=858>. Data de acesso: 08 jan. 2015
18. CONSELHO REGIONAL DOS NUTRICIONISTAS. Parecer CRN-3 restrição ao consumo de glúten. Disponível em <http://crn5.org.br/wp-content/uploads/2013/05/02_23.08.12-PARECER_CRN3_GLUTEN.pdf>. 2014. Data de acesso: 10 jan. 2015.


Um comentário: