segunda-feira, 30 de junho de 2014

Toxoplasmose e toxoplasma: livro atualiza informações

Obra será lançada em 10/07/14, às 17h, na Academia Nacional de Medicina

O livro compila conhecimentos sobre o tema
Infecção hoje muito disseminada ao redor do mundo, especialmente no Brasil: assim é a infecção por Toxoplasma gondii, protozoário descoberto em 1908 por cientistas no Brasil e na Tunísia, simultaneamente. Começando pela história da descoberta desse parasita e da doença por ele causada, a toxoplasmose, e visitando os diferentes aspectos relacionados ao tema – ciclo evolutivo, epidemiologia, diagnóstico, quadro clínico e tratamento –, os professores Wanderley de Souza (UFRJ e Inmetro, ex-reitor da Uenf) e Rubens Belfort Jr. (Unifesp) organizaram ampla revisão sobre o assunto. O resultado desse trabalho é a coletânea Toxoplasmose & Toxoplasma gondii, com 16 capítulos e 27 autores, lançamento da Editora Fiocruz.

Os mais importantes protozoários causadores de doenças no homem foram descritos no período entre 1875 e 1910. O T. gondii estava entre eles.

- Embora a identificação do Toxoplasma gondii tenha ocorrido em 1908, sua transmissão permaneceu um mistério durante trinta anos -, dizem os pesquisadores do  Helene Santos Barbosa, Renata Morley de Muno e Marcos de Assis Moura, do Instituto Oswaldo Cruz (IOC/Fiocruz), autores de um dos capítulos do livro. Em 1937, foi demonstrada a evidência de que o T. gondii é um parasita intracelular obrigatório, isto é, ele só se multiplica no interior de células do animal infectado. E somente nos anos 1970 desvendou-se o ciclo de vida desse protozoário, do qual o gato é hospedeiro definitivo. Outros animais de sangue quente, entre eles o ser humano, são hospedeiros intermediários.

As fezes de gatos infectados contêm formas do parasita que podem contaminar água, ar, solo e alimentos, e, assim, ser transmitidas a outros animais, incluindo aves, bovinos e suínos. O homem contrai a infecção por duas rotas principais: oral (pela ingestão de água e alimentos contaminados, assim como da carne crua ou malpassada) e congênita (de mãe para filho, durante a gestação). A toxoplasmose congênita – a mais grave e notável das manifestações da doença – é abordada em outro capítulo do livro, que também dedica espaço à toxoplasmose na criança.

- Há pouco mais de cinquenta anos era patente o caráter de ser a toxoplasmose uma doença nova. Depois, graças ao labor de vários cientistas, ficou evidente que essa protozoose é muito comum e, felizmente, benigna, só eventualmente assumindo feição de enfermidade grave -, afirma o professor Vicente Amato Neto, da USP, que assina o prefácio da coletânea.

Muitos indivíduos infectados pelo T. gondii não apresentam sintomas, mas, quando a doença se manifesta, pode ter diferentes configurações, afetando gânglios, olhos, coração, pulmões, fígado, cérebro e meninges, ou articulações. Outro capítulo do livro é dedicado à toxoplasmose em pacientes com sistema imunológico debilitado, como na Aids, pois eles costumam apresentar um quadro clínico mais sério e generalizado, ao terem vários órgãos atingidos. Outros capítulos abordam aspectos importantes da toxoplasmose como a sua epidemiologia, os modernos métodos laboratoriais para o diagnóstico da doença, a toxoplasmose congênita, as manifestações da infecção na criança, a toxoplasmose ocular e considerações sobre o desenvolvimento de novas drogas com ação antiparasitária bem como as utilizadas atualmente para o tratamento da infecção pelo Toxoplasma gondii.

- A coletânea cobre praticamente todos os campos do conhecimento sobre o agente etiológico e a doença, apresentando novos aspectos, particularmente em relação à bioquímica, à interação entre o parasita e a célula hospedeira e à resposta imunológica à infecção -, avalia o pesquisador José Rodrigues Coura, do IOC/Fiocruz.

Lançamento: 

Simpósio Toxoplasmose e Toxoplasma, 10/07/14,  às 14h, na sede da Academia Nacional de Medicina (ANM), Av. General Justo, 365 / 7º andar -  Centro - Rio de Janeiro (RJ)

(Texto:  Paula Almeida, com informações da ANM/ Editora Fiocruz)

segunda-feira, 16 de junho de 2014

Cafeína na água

O tratamento da água não elimina a presença da cafeína
O café é um dos alimentos mais consumidos em todo o mundo — e o Brasil é o segundo maior consumidor da bebida. Mas se você não integra o grupo dos viciados em café, saiba que, mesmo sem querer, pode estar consumindo diariamente, através da água que consome, o seu principal componente: a cafeína.

É o que mostram estudos feitos por pesquisadores brasileiros financiados pelo CNPq e pela Fapesp e que resultaram no livro Cafeína em Águas de Abastecimento Público, lançado durante a 37ª Reunião Anual da Sociedade Brasileira de Química, realizada entre os dias 26 e 29/05/14, em Natal, Rio Grande do Norte.

Ao detectar a presença de resíduos de cafeína na água que abastece a população, a pesquisa — que envolve a Universidade Estadual do Norte Fluminense Darcy Ribeiro (UENF), Universidade Federal da Paraíba (UFPB), Universidade Federal de Pernambuco (UFPE), Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), Universidade Federal do Paraná (UFPR), Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS) e Universidade de Brasília (UnB) — lança luz à possibilidade de que outras substâncias, potencialmente mais perigosas, também estejam presentes.

 Katia Bichinho (esq., autora), Wilson Jardim e Cristina Canela (editores*)
— A presença de cafeína na água de abastecimento é um indicador da possível presença de outros contaminantes emergentes, que ainda não são legislados pela portaria do Ministério da Saúde, mas que podem ser prejudiciais à saúde humana — afirma a professora Maria Cristina Canela, do Laboratório de Ciências Químicas (LCQUI) da UENF, que também atua como coordenadora da Diretoria de Química Ambiental do Instituto Nacional de Ciências e Tecnologias Analíticas Avançadas (INCTAA).

Estudos geraram livro com nove capítulos
Coube à equipe da UENF coletar amostras da água que abastece as cidades do Rio de Janeiro, Belo Horizonte, Vitória e Salvador.  O trabalho foi realizado juntamente com a aluna de doutorado do Programa de Pós-Graduação em Ciências Naturais da UENF (PPGCN) Camila Ramos de Oliveira Nunes, no período entre julho e outubro de 2011 e 2012.

— É justamente neste período que os rios estão mais secos, refletindo uma situação mais crítica, com uma maior concentração destes contaminantes na captação da água a ser tratada. Embora as estações de tratamento cumpram as normas, não é possível eliminar a cafeína da água, o que pode provocar interferência no organismo humano — afirma Maria Cristina, lembrando que o trabalho poderá servir como parâmetro de orientação para que, futuramente, sejam adotadas medidas com o objetivo de eliminar a dificuldade de ter uma água livre de contaminantes emergentes.

O livro, que possui nove capítulos, será distribuído gratuitamente às empresas responsáveis pelas estações de tratamento de água e esgoto e prefeituras que eventualmente tenham interesse nas informações. A previsão é de que, a partir de julho, também já esteja disponibilizado pelo site do INCTAA.

Cilênio Tavares
Fúlvia D'Alessandri

(*) Foto Cristiane Vidal

quinta-feira, 27 de fevereiro de 2014

Efeitos do aquecimento global


Cheia do Rio Muriaé, Campos (Wesley Machado, 05/01/12 )
As altas temperaturas registradas em todo o país nos últimos meses podem se tornar cada vez mais frequentes no decorrer do século. É o que aponta o estudo sobre os impactos do aquecimento global divulgado no final de 2013 pelo Painel Brasileiro de Mudanças Climáticas (PBMC), organismo criado em 2009 pelo Governo Federal com o objetivo de disponibilizar informações científicas sobre os aspectos relevantes das mudanças climáticas no Brasil.

Embora o momento seja de estiagem no Centro-Sul, as projeções mostram aumento de chuva no Sul e Sudeste e diminuição das chuvas no Norte e Nordeste, podendo apresentar, até o final do século, um acréscimo médio da temperatura global de 2ºC a 5,8°C (graus Celsius). A porção nordeste da Mata Atlântica poderá ter alta de temperatura (entre 2°C e 3°C) e baixa pluviométrica (entre 20% e 25%).

Mata Atlântica em Pernambuco (Wikipedia)
Com base em experimentos realizados no Laboratório de Zootecnia e Nutrição Animal da UENF (LZNA), o professor de aquicultura Manuel Vazquez Vidal Júnior afirma que, com o aquecimento das águas, animais de algumas espécies aquáticas podem sofrer morte embrionária em decorrência do aumento do consumo das reservas de vitelo, uma reserva de nutrientes das células-ovo que alimenta o embrião.

— O aquecimento provoca aumento no metabolismo dos animais pecilotérmicos (sangue frio), que passam a consumir mais nutrientes e antecipam sua época de reprodução. Num primeiro momento fica parecendo que apenas o calendário de desovas mudaria, mas o desenvolvimento embrionário também é afetado pela elevação da temperatura — disse.


Os anfíbios também poderão sofrer uma significativa diminuição nas suas populações existentes na Mata Atlântica. Estudo realizado por pesquisadores do Laboratório de Biogeografia da Conservação da Universidade Federal de Goiás (UFG) estima que até 12% das 431 espécies desses animais do bioma poderão ser extintas nas próximas décadas. O professor Carlos Ruiz-Miranda, do Laboratório de Ciências Ambientais (LCA) da UENF, lembra que os impactos não se restringiriam à óbvia perda destas espécies nativas.


— Os anfíbios são parte de uma cadeia alimentar que envolve várias espécies de vertebrados.


Outros organismos como mamíferos, aves, insetos e vegetais também ficariam suscetíveis a tais mudanças climáticas. Diferentemente do que ocorre com a espécie humana, muitas dessas espécies não conseguem se adaptar, principalmente as vegetais. Professor do Laboratório de Engenharia Agrícola da UENF (LEAG), Elias Fernandes de Sousa explica de que forma este cenário afetaria a produção agrícola na região Norte Fluminense.

— O aumento da demanda hídrica no inverno poderia  intensificar os efeitos das estiagens que ocorrem frequentemente no inverno e, no verão, a maior frequência de chuvas intensas provocaria inundações e alagamentos. Esses dois eventos já prejudicam bastante a produção agrícola na região. Com o cenário de aquecimento, os efeitos danosos poderão se intensificar — afirma Elias, lembrando que o Norte Fluminense normalmente se destaca no Estado do Rio de Janeiro pelo baixo índice pluviométrico comparado a outras regiões.

Para o pesquisador, os efeitos desse aquecimento não se restringirão a uma determinada espécie.


— Com esse cenário, muito provavelmente todas as espécies vegetais e animais seriam alcançadas, pois as alterações climáticas previstas podem afetar toda forma de vida — afirma.


Como uma das soluções para o Norte Fluminense, Elias afirma que a região dispõe de recursos hídricos e de estruturas hidráulicas que podem ser utilizadas para um manejo da água visando reduzir os efeitos das estiagens.


— Deve-se investir na recuperação dos solos e da vegetação nativa em áreas estratégicas para contenção de morros e redução da erosão, aumentando a infiltração de água no solo e reduzindo os efeitos das chuvas intensas, principalmente em áreas de baixa produção agrícola — conclui.

Rebeca Picanço

terça-feira, 25 de fevereiro de 2014

Fenômeno global explica calor e seca no Brasil

Anomalia da temperatura no RJ em janeiro de 2014. Unidade: ºC
A falta de chuvas e as altas temperaturas registradas no Brasil no início deste ano provavelmente estão ligadas a fenômenos e processos dinâmicos ocorridos em escala global. É o que sugere um estudo preliminar do pesquisador Isimar de Azevedo Santos, professor titular do Laboratório de Meteorologia da UENF (LAMET). Ele espera, com a pesquisa, obter previsões mais acertadas de eventuais ondas de calor que venham a afetar o país.

Segundo o pesquisador, tanto o forte calor quanto a estiagem que se observou em algumas regiões do Brasil em janeiro de 2014 se deveram a bloqueios atmosféricos provavelmente originados no Oceano Pacífico. Tais bloqueios impediram as frentes frias de se deslocarem do sul do continente até as latitudes tropicais.

— Estamos usando dados ambientais, tanto locais quanto globais, para compor um quadro elucidativo desses processos de bloqueio. O diagnóstico preliminar nos permite dizer que houve uma distribuição regionalizada das anomalias de precipitação e temperatura — afirma o professor, que tomou por base informações do banco de dados Reanálises, do serviço meteorológico americano (National Centers for Environmental Prediction / NCEP).

Anomalia da precipitação no RJ em 2014. Unidade: mm/dia
A análise das anomalias climáticas no Estado do Rio revela que a capital fluminense teve as temperaturas mais altas, bem como a maior seca dos últimos 36 anos. O Sul Fluminense também viveu a maior estiagem dos últimos 36 anos. No entanto, não foi o janeiro mais quente — os janeiros de 1995, 1998 e 2010 tiveram temperaturas ainda maiores.

No Norte Fluminense, as temperaturas estiveram bem próximas da média histórica. Os janeiros mais quentes da região foram os de 1990, 1995 e 2010. Com relação à estiagem, o estudo aponta o mês de janeiro de 2014 como um dos mais secos, juntamente com os janeiros de 1990, 2006 e 2010.

A análise global da temperatura no Hemisfério Norte mostra que enquanto algumas regiões tiveram aquecimento anômalo (Groenlândia, oeste da América do Norte, Canadá, China e África), outras experimentaram temperaturas mais baixas que a média histórica dos últimos 36 anos (norte da Rússia, o norte da Europa e o leste da América do Norte).

— Já no Hemisfério Sul ocorreu um resfriamento no centro da América do Sul, noroeste da Austrália e no entorno do continente antártico. Mas a maior porção do Hemisfério Sul experimentou temperaturas acima do normal em janeiro, inclusive a maior parte do continente antártico — afirma o pesquisador.

Para saber mais leia o artigo Um Diagnóstico Preliminar das Anomalias Climáticas de Janeiro de 2014

Fúlvia D'Alessandri

quinta-feira, 30 de janeiro de 2014

Resgate da história de SJB

(Fonte: http://www.sjbonline.com.br/)
Nem todos os habitantes de São João da Barra, no Norte Fluminense, conhecem a história do município, que começou com uma pequena vila de pescadores e durante muito tempo teve sua economia voltada para a pesca e agricultura, com a produção de mandioca, café e açúcar. Mas, se depender do professor Alcimar das Chagas Ribeiro, do Laboratório de Engenharia de Produção (LEPROD) da UENF, esta história vai passar a fazer parte do universo da população de São João da Barra, bem como dos municípios vizinhos.

Alcimar coordena o projeto de extensão Resgate e disseminação da história local: Uma estratégia para a mudança sociocultural e econômica, que tem por objetivo mostrar a história do município desde a sua criação até os dias atuais, para que os moradores possam ter referências do lugar onde moram e sejam capazes de lutar pelo seu crescimento e desenvolvimento. O projeto é desenvolvido com a ajuda de dois alunos de uma escola pública, Débora Longue e Chrisson Monteiro, e de um animador cultural, Francisco Moreira, que atuam como bolsistas Universidade Aberta.

Depois de realizarem uma ampla pesquisa para conhecer a história do município, os bolsistas  vêm ministrando palestras em escolas e acabam de elaborar uma cartilha com todas as informações coletadas, que será impressa e distribuída em toda a região. Nas palestras, os estudantes mostram os primeiros povoados, a evolução e o estágio de cidade e ainda o ciclo portuário, que durou aproximadamente 150 anos.

Alcimar observa que, nessa época, a cidade de São João da Barra tinha uma importância logística muito grande, porque escoava a produção para praticamente toda a região. Agora, com a construção do Porto do Açu, espera-se que seja retomada a sua importância econômica.

— A nossa meta é resgatar a história do município, que hoje não é mostrada sequer nas escolas. Queremos mexer com as pessoas. Tenho consciência de que o projeto não vai transformar a vida dos moradores em um curto prazo, mas queremos que eles conheçam, discutam suas origens e que os jovens possam ter condições de criar políticas públicas, de lutar pela cidade para que se torne cada dia melhor — diz Alcimar, ressaltando que antes do projeto os alunos não conheciam sequer um escritor ou jornalista de São João da Barra.

Os bolsistas do projeto ministram palestra em escola de SJB
Os próprios integrantes do projeto, Débora e Chrisson, contam que não sabiam praticamente nada sobre o município até fazerem a pesquisa. Foi uma surpresa para eles descobrir que a cidade já teve um porto. A atividade portuária teve início em 1740, com a indústria de construção naval, que começava a se desenvolver. Seis estaleiros foram instalados entre a Vila e Atafona para começar a produzir embarcações. Pouco tempo depois, surge o porto, que passa a ser frequentado por embarcações que transportavam toda a produção do Norte-Noroeste Fluminense — açúcar, café, madeira, couro, aguardente, carne e peixe salgado, queijo, farinha de mandioca e aves — para o Mercado Nacional.

No início do ano, os estudantes fizeram uma palestra para a Capitania dos Portos. Os marinheiros tiveram a oportunidade de conhecer melhor a cidade e descobrir como tudo começou.

— Foi uma surpresa para os militares. Um choque positivo, pois desde que chegaram à região poucos tinham ouvido falar sobre o surgimento de São João da Barra — conta Alcimar.

A ideia de resgatar a história do município surgiu através de outro projeto, também coordenado pelo professor Alcimar por volta de 2003: o  “Capacitar para Transformar”. O projeto tinha como meta ajudar os pescadores de São João da Barra a substituir a pesca artesanal pela piscicultura, o que daria mais lucros e reduziria o impacto ambiental.

— Mas este projeto apresentou dificuldades em função do comportamento individualista dos empreendedores, da extrema dependência das forças políticas, além do desinteresse do governo pelo projeto — explica Alcimar.


Mariane Pessanha

quinta-feira, 12 de dezembro de 2013

Herança indígena

Pintura de Debret retratando cerimônia de dança dos Puri


Ao contrário dos Goitacá, os Puri — que vieram de São Paulo fugindo das "entradas e bandeiras" — sobreviveram ao domínio colonial, assimilando a cultura dos colonizadores  e perdendo sua identidade indígena

O fracasso dos colonizadores portugueses em relação aos índios Goitacá — praticamente dizimados por não aceitarem o seu subjugo — não se repetiu em relação a outra população indígena que viveu no Norte/Noroeste Fluminense: os índios Puri. Nômades, os índios Puri iniciaram no século XVII uma longa jornada pelo vale do Rio Paraíba do Sul, com o objetivo de escapar das “entradas e bandeiras” — que aprisionavam índios para o trabalho compulsório na exploração de ouro. Deixaram São Paulo e acabaram se fixando na bacia inferior do Paraíba, entre os rios Pomba, Negro e Muriaé.

De acordo com o estudo “Diversidade étnica dos indígenas na bacia do baixo Paraíba do Sul.
Representações construídas a partir da Etnohistória e da Arqueologia”, da historiadora Simonne Teixeira, as principais fontes históricas acerca deste período estão nos relatos dos viajantes e naturalistas estrangeiros que estiveram na região ao longo do século XIX. Muitos deles tiveram contato direto com os índios, cuja estrutura social já se encontrava muito fragmentada devido à interferência dos colonizadores. Freis capuchinhos italianos comandavam dois aldeamentos importantes na região: São José de Leonissa (atualmente São Fidélis) e Aldeia da Pedra (atualmente Itaocara), e muitos indígenas mantinham relações de trabalho com os colonizadores portugueses.

— No entanto, os relatos de naturalistas como Maximiliano e Burmeister, que estiveram por esta região em meados do século XIX, nos dão conta de que os índios Puri ainda seguiam nômades e com um reduzido conjunto de pertences, somente o suficiente para a sua sobrevivência no ambiente de densa vegetação em que viviam — diz Simonne, que atua no Laboratório de Estudo do Espaço Antrópico (LEEA) do Centro de Ciências do Homem (CCH) da UENF.

Segundo Simonne, o nomadismo dos índios é associado pelos autores a um paupérrimo conjunto de pertences. Burmeister, por exemplo, relata que “a choça do Puri se constituía de leves habitações, feitas de folhas de palmeira e assemelhando-se a grande gaiola de pássaros”.  Maximiliano escreve que os índios Puri possuíam poucos utensílios e que abandonavam suas moradas, as mais primitivas do mundo, “sem saudades, quando a região circunvizinha não mais lhes garante alimentos suficientes”.

— Com o processo de deflorestamento para a lavoura do café, os índios foram perdendo espaço. Muitos passaram a trabalhar nas fazendas, como diaristas, sobretudo no corte de árvores e carregamento de lenha pelo rio. O pagamento era irrisório: às vezes recebiam em troca tabaco, aguardente ou tecidos coloridos. Há muitos relatos de índios vivendo em estado de miséria — afirma, acrescentando que, ao final do século XIX, os índios “desaparecem” por completo da região, o que leva a crer que foram assimilados como parte da sociedade brasileira.

Segundo Simonne, o fato de a população indígena brasileira não ter deixado fontes textuais ou iconográficas contribuiu, durante muito tempo, para o pouco interesse pela história dos habitantes primitivos do Brasil. Francisco Adolfo Varnhagen chegou a afirmar que não haveria história para os índios, mas apenas “etnografia”, alegando que eles estariam “na infância da humanidade, em estado de barbárie e de atraso”. Para os historiadores antigos, os índios eram “seres terríveis, meio-feras, meio-gentes, sem lei, nem fé e nem rei, entregues a toda sorte de vícios e luxúria”.

— Esse modo de ver os índios como povos detentores de uma bestialidade primitiva pertencia ao ideário português, já claramente manifestada no processo de conquista e colonização da África. Para os primeiros historiadores, a história era movida pelo avanço da civilização europeia, enquanto os índios eram “meros objetos da ciência”, podendo, “quando muito, lançar alguma luz sobre as origens da história da humanidade, como fósseis vivos de uma época muito remota”  — diz Simonne.

Os naturalistas e viajantes foram, portanto, os principais construtores das representações sobre os índios. Até o século XX, a historiografia brasileira desprezou os indígenas, ignorando sua existência e a convivência entre eles e os brancos ao longo do processo de colonização e avanço para o interior.

— Certamente a pouca tradição acadêmica no Brasil, com a ausência de universidades até a transferência da Corte portuguesa, contribuiu para o parco conhecimento da população. A história dos índios no Brasil, até os anos 1980, foi basicamente uma crônica de sua extinção. O melhor seria dizer: a crônica de um povo que teimava em não desaparecer.

Fulvia D'Alessandri

sexta-feira, 6 de dezembro de 2013

Pesquisa busca controle biológico de vermes usando fungos

Estudos da UENF podem levar a método alternativo de controle do parasito em criação de ovinos; vermes adquirem resistência a produtos convencionais

Clóvis de Paula: 'Controle gradual'
O controle de vermes é fundamental em qualquer criação comercial, mas os vermífugos convencionais com o tempo perdem o efeito porque os parasitos adquirem resistência. Buscando um controle alternativo, pesquisadores da UENF vêm trabalhando em pesquisas que utilizam fungos nematófagos (que matam nematoides) para controlar verminoses em rebanhos de ovinos. Os estudos são coordenados pelo professor Clóvis de Paula Santos, do Laboratório de Biologia Celular e Tecidual (LBCT) da UENF.

Os fungos nematófagos podem ser encontrados em muitos lugares na natureza. Eles estão, por exemplo, no solo de florestas e de áreas cultivadas, em pastagens, em esterco ou em vegetação em decomposição. Coletados em ambiente natural, eles têm sido cultivados em laboratório para servir às pesquisas. Misturados à alimentação do rebanho, os fungos são expelidos pelas fezes junto com os ovos de vermes. É ali, no pasto, que os fungos atacam os próprios ovos ou, principalmente, as larvas que resultam de sua eclosão.

Como os ovos evoluem muito rápido, os pesquisadores da UENF têm apostado nas espécies de fungos que atacam as larvas. Atualmente, os estudos se concentram na espécie Duddingtonia flagrans. Ao matar as larvas presentes nas fezes, os fungos reduzem a contaminação do pasto e a reinfecção dos carneiros e ovelhas.  Segundo a literatura científica, 97% dos vermes vivem no pasto, e não dentro nos animais.

- Estamos tentando uma metodologia de controle gradual, que tende a mostrar resultados ao longo de certo tempo. À medida que o animal ingere os fungos misturados com seu alimento, ele elimina estes fungos pelas fezes e eles combatem os vermes que nasceriam ali, interrompendo o ciclo reprodutivo do parasito - explica Clóvis.

A grande vantagem do “remédio natural” é que ele não perde seu efeito por conta de resistência dos vermes, ao contrário do controle químico. Outro ponto positivo é que certas espécies de fungos atacam nematoides das mais variadas espécies, e não apenas uma ou outra. Mas a pesquisa ainda tem desafios importantes para superar.

Um deles é identificar e elevar o chamado “tempo de prateleira” do produto, encontrando uma maneira de tornar mais longo o período em que os fungos permanecem vivos para serem usados no combate aos vermes. Outra tarefa é descobrir como obter grandes quantidades dos fungos para permitir a produção em larga escala do remédio alternativo. Em laboratório, a equipe do professor Clóvis já testou o cultivo em arroz parboilizado, milheto, milho, subprodutos da cana-de-açúcar como o bagaço e a torta de filtro e até nas próprias fezes dos animais. O melhor resultado até agora foi o uso de canjiquinha, feita de milho triturado.

Fungos usam de ‘astúcia’ para capturar nematoides


Duddingtonia flagrans predando nematoide Panagrellus spp
Clóvis de Paula Santos está na UENF desde 2001, quando veio da Embrapa Gado de Leite, onde tinha atuado durante nove anos. Desde então ele vem pesquisando o uso de fungos nematófagos no combate a vermes em rebanhos.

Os estudos apontam situações muito interessantes da luta entre estes dois inimigos naturais, que travam batalhas só perceptíveis com o uso de microscópios. Os fungos têm diversas estratégias para matar os vermes. Alguns são chamados predadores e usam armadilhas. Eles assumem a forma de um entrelaçamento de filamentos (chamados hifas), com anéis adesivos (que grudam no nematoide “desavisado”) ou constritores (que se fecham e matam o verme), entre outros tipos de armadilhas.

Mas há outras situações em que os fungos se apresentam não como hifas, e sim protegidos por uma espécie de casca dura - forma tecnicamente chamada de esporos. Na forma de esporos os fungos infectam o nematoide, seja se deixando engolir por ele, seja germinando e penetrando ativamente em seu organismo. Uma vez inserido no verme, a destruição é questão de tempo.

Nos testes de laboratório e de campo, o produto tem dado bons resultados. Mas ainda é preciso avançar para se chegar a um produto que possa ser usado pelo produtor.

Gustavo Smiderle