quarta-feira, 27 de março de 2013

Coluna 'Um quê de neurociência" - O poder da mente




O poder da mente: telepatia e movimento de objetos com o pensamento são reais.........com a ajuda de eletrodos! 


Arthur Giraldi Guimarães*


As possíveis habilidades mentais ditas “paranormais”, como a telepatia (capacidade de ler ou transmitir pensamentos para outras mentes sem conexão física, corporal, verbal ou escrita) e a telecinese (capacidade de movimentar objetos à distância, sem tocá-los) são fenômenos envoltos em dúvidas, charlatanismo e incredulidade. Afinal, não existem evidências científicas concretas e irrefutáveis de que sejam verdadeiros. Portanto, para a Ciência moderna, ou pelo menos para a maioria dos cientistas, estes fenômenos não existem.

Mas, interessantemente, a própria Ciência já é capaz de produzir fenômenos ao menos semelhantes, pois exploram a “força da mente”. Só que se utiliza de microeletrodos implantados no cérebro para dar um “empurrãozinho”! É isso que estudos recentes têm demonstrado, dando grande esperança para, por exemplo, restituir a capacidade de realizar movimentos em pessoas com paraplegia ou tetraplegia. A pessoa precisa apenas usar a sua mente, e os eletródios e demais aparatos (como braços e pernas mecânicos) fazem o resto.

A inovação tecnológica destes estudos pode ser denominada como “interação cérebro-máquina”. O córtex cerebral é responsável pelos nossos movimentos voluntários e sensações conscientes. Ele contém regiões que processam especificamente cada uma das modalidades sensoriais (os famosos “cinco sentidos”), bem como os comandos motores voluntários (figura 1).

Figura 1: córtex cerebral humano, mostrando as principais regiões sensoriais e motoras.
Extraído do site: http://www.psiquiatriageral.com.br/cerebro/texto7.htm

As informações que chegam dos nossos órgãos dos sentidos atingem essas regiões corticais, e é só aí que temos a percepção consciente delas. Quanto ao movimento, nosso córtex motor é quem manda a ordem final de movimento para a medula espinhal, que a repassa para os músculos esqueléticos.

Acontece que podemos estimular artificialmente estas áreas, causando sensações “virtuais” ou movimentos não produzidos pela nossa vontade. Por exemplo, se implantarmos um eletrodo de ativação no córtex visual, a pessoa verá alguma coisa, mesmo que sua retina não seja ativada por imagem alguma! Da mesma forma, se estimularmos a região somestésica (sensorial, na Figura 1), a pessoa sentirá algo tocando na sua pele, mesmo que isso de fato não tenha acontecido. Se estimularmos a área motora, um ou mais músculos irão se contrair.

Um eletrodo pode ser de estimulação ou de detecção. Com o advento de microeletródios cada vez mais sofisticados, é possível detectar o padrão de ativação dos neurônios dessas regiões quando eles estão sendo ativados para realizar suas respectivas tarefas. Pode-se determinar o padrão de ativação do córtex motor quando a pessoa abre a mão, fecha a mão, levanta o braço, gira a mão para a direita, para a esquerda, e assim sucessivamente. O segundo passo é associar cada padrão de ativação desse (através de linguagem eletrônica) ao comando de um braço mecânico, que faz o movimento específico de cada padrão de ativação cortical. Assim, implante-se no córtex motor um microeletródio de detecção acoplado ao braço artificial, e toda vez que a pessoa pensa em realizar um movimento, o braço decodifica o padrão de ativação e realiza o movimento desejado!

O mesmo pode acontecer no sentido inverso, o da sensação. Ao se conhecer o padrão específico de ativação cortical da área somestésica para cada tipo de sensação tátil (pressão, toque fino, temperatura, etc...), pode-se implantar no córtex somestésico microeletrodos de estimulação acoplados a um braço sensível ao toque e temperatura. Quando, por exemplo, a mão do braço biônico é tocada por algo, isso leva à estimulação da área cortical de representação somestésica da mão pelo microeletródio implantado. Como este produz o mesmo padrão de ativação neuronal para o toque, a pessoa sentirá a mão biônica sendo tocada.

Um exemplo de um desses estudos foi o realizado por pesquisadores da Universidade de Pittsburgh, nos EUA. Eles implantaram dois microeletrodos, cada um com 96 agulhas de detecção, no córtex motor de uma paciente tetraplégica de 52 anos (figura 2). Após 13 semanas de treinamentos, a paciente foi capaz de controlar o braço “pelo pensamento”, fazendo-o realizar movimentos e segurar objetos da forma como ela pensou na sua mente. Como se fosse o seu braço natural! Os autores do estudo declararam que o nível de destreza obtido com o braço desenvolvido por eles foi sem precedentes.

Figura 2: Foto da paciente tetraplégica e do braço mecânico acoplado a microeletrodos implantados
ao cérebro da paciente. Extraído de: BBC Brasil.

O neurocientista brasileiro Miguel Nicolelis (figura 3), do Laboratório de Neuroengenharia da Universidade de Duke (EUA) e do Instituto Internacional de Neurociências de Natal (Brasil), talvez seja o pesquisador que mais contribua para os avanços da “interação cérebro-máquina”. Além de estudos semelhantes ao relatado acima, ele tem demonstrado, ao menos com animais, outras possibilidades dessa tecnologia.

Num dos seus estudos recentes, ele e seu grupo conseguiram implantar um “sexto sentido” em ratos. Eles acoplaram um detector de luz infravermelha (radiação que mamíferos não são capazes de detectar) a um microeletrodo implantado no córtex somestésico. O resultado foi que os animais foram capazes de detectar o infravermelho e responder a ele! Toda vez que a luz infravermelha era emitida por uma fonte, eles tinham que movimentar uma alavanca para obter uma recompensa. Os animais foram capazes de sentir perfeitamente o infravermelho, uma vez que responderam a ele movimentando a alavanca, apenas quando ele era emitido.

Não podemos saber qual foi a sensação provocada pelo infravermelho, uma vez que os ratinhos não falam para nos responder sobre o que sentiram! Mas é muito provável que tenham tido a mesma sensação tátil das vibrissas, uma vez que o microeletrodo foi implantado na área somestésica correspondente a estas. Só que neste caso, a estimulação real foi provocada pelo detector da luz infravermelha, e não pela via natural (o toque nas vibrissas). Entretanto, os animais foram capazes de aprender a diferenciar a estimulação pelo infravermelho daquela feita pelas vibrissas (capacidade esta que não foi perdida). Isso abre a possibilidade de eles terem desenvolvido um novo tipo de sensação, diferente da sensação tátil provocada pelas vibrissas, configurando-se um novo sentido!

Figura 3: O neurocientista brasileiro Miguel Nicolelis, um dos principais responsáveis pelo avanço
da "interação cérebro-máquina".

Num outro estudo recente, igualmente fascinante, eles conseguiram algo tipo uma telepatia! Dois ratos foram implantados com microeletrodos em seus respectivos córtices motores. Um deles, o codificador, recebeu microeletrodo de detecção e aprendeu mais intensamente a realizar uma tarefa motora que o outro (o decodificador, que recebeu microeletrodo de estimulação). O codificador tinha que decidir sobre movimentar uma alavanca baseado em pistas visuais. O decodificador tinha que fazer a mesma decisão, mas sem a pista visual.

A única pista que ele tinha era o padrão de estimulação do córtex motor do codificador, que era detectada pelo microeletrodo deste e repassada (apenas quando o codificador acertava a tarefa) para o seu, que estimulava o seu córtex motor. Os resultados mostraram que o rato decodificador recebeu e utilizou eficientemente as pistas embutidas no padrão de ativação cortical do rato codificador, uma vez que o seu percentual de acerto da tarefa foi significativamente acima do que seria esperado por mero acaso. Ou seja, eles realmente trocaram informações diretamente entre seus cérebros! E detalhe: os pesquisadores reproduziram isso com um rato no Brasil e outro nos EUA (telepático, não?).

Os estudos nessa área são fascinantes e revolucionários não apenas pelo grande potencial terapêutico que apresentam. As aplicações destas novas técnicas vão muito além da possibilidade de restituir movimentos ou sensibilidade (de todos os cinco sentidos) a pessoas que os perderam. Elas também podem permitir no futuro a expansão das nossas capacidades sensoriais para além daquelas naturais, bem como o estabelecimento de uma rede de comunicação interpessoal apenas com o pensamento, sem necessidade de falar ou apertar botões!!!

É.........a meu ver, o mais irônico disso tudo é que fenômenos parecidos com telepatia ou telecinese nunca estiveram tão perto de se tornar realidade..........e graças à própria Ciência, que tanto as refutou. Já que os fenômenos da parapsicologia são furados (até que se prove o contrário!), fiquemos então com as suas versões “camufladas” da Ciência. Elas parecem ser mais eficientes.......


*Professor do Laboratório de Biologia Celular e Tecidual (LBCT) do Centro de Biociências e Biotecnologia (CBB) da UENF.


SUGESTÃO DE LEITURA:

High-performance neuroprosthetic control by an individual with tetraplegia. Collinger JL, Wodlinger B, Downey JE, Wang W, Tyler-Kabara EC, Weber DJ, McMorland AJ, Velliste M, Boninger ML, Schwartz AB. Lancet. 2013 Feb 16;381(9866):557-64.

Perceiving invisible light through a somatosensory cortical prosthesis. Thomson EE, Carra R, Nicolelis MA. Nat Commun. 2013 Feb 12;4:1482.

A Brain-to-Brain Interface for Real-Time Sharing of Sensorimotor Information. Pais-Vieira M, Lebedev M, Kunicki C, Wang J, Nicolelis MA. Sci Rep. 2013 Feb 28;3:1319.


Nenhum comentário:

Postar um comentário