segunda-feira, 14 de julho de 2014

Novos caminhos para controle de tuberculose agressiva

Equipe da UENF que participou da pesquisa, tendo à frente a
professora Elena Lassounskaia (terceira à esquerda). 
Estudo de pesquisadores da UENF e da USP identifica mecanismo que aumenta a severidade da doença

Pesquisadores da UENF, tendo à frente a professora Elena Lassounskaia, em colaboração com colegas da USP, nucleados pela dra. Maria Regina D'Império-Lima, conseguiram desenvolver novo modelo experimental para estudo da tuberculose, causada pelo micro-organismo Mycobacterium tuberculosis, conhecido como bacilo de Koch. O estudo identifica um fator genético do organismo hospedeiro que aumenta a severidade da doença, agravando a lesão pulmonar. Tal fator pode ser um alvo terapêutico atrativo em pacientes com formas graves da tuberculose.

O estudo foi publicado no início deste mês na revista PLOS Pathogens, dos Estados Unidos (fator de impacto 8,1). Dos 13 autores, seis são ligados à UENF, incluindo o primeiro autor do artigo, Eduardo Pinheiro Amaral, que se formou em Ciências Biológicas em Campos (RJ) em 2008, tendo atuado como bolsista de Iniciação Científica, e hoje faz doutorado na USP sob a orientação da professora Maria Regina e coorientação da professora Elena.

A tuberculose continua sendo um grande problema de saúde global e especificamente de saúde pública no Brasil, sendo que o país ocupa 17ª posição no ranking mundial de países emergentes na doença. Apesar da existência de métodos de diagnóstico e tratamento, mais de 9 milhões de novos casos são registrados anualmente no mundo inteiro, com cerca de 1,5 milhão de mortes. O desenvolvimento de novas abordagens para controle da tuberculose depende de avanços de pesquisa na área.

Para entender os mecanismos que determinam o desenvolvimento agressivo da doença, os pesquisadores trabalharam em um modelo de camundongos que reproduzem os sintomas da tuberculose pulmonar grave que atinge pessoas. Assim como os pacientes humanos, os camundongos infectados com micobactérias hipervirulentas podem desenvolver lesões necróticas no pulmão. Trata-se de áreas de células infectadas mortas que se rompem, como resultado da multiplicação da bactéria, e liberam seus conteúdos. Este material contém moléculas que promovem um recrutamento de células do sistema imunológico do hospedeiro, e a inflamação local resultante causa ainda mais danos ao tecido pulmonar.

Os pesquisadores trabalharam com modelos de camundongos
Papel do receptor - Um dos componentes de restos necróticos é a molécula ATP (adenosina trifosfato), responsável pelo armazenamento de energia nas células. Quando se encontra fora das células, esta molécula estimula as células de defesa do organismo ligando-se a um receptor chamado P2X7R. Estimulação prolongada do receptor induz nas células um mecanismo chamado ativação de inflamassoma, que promove a produção de moleculas inflamatórias, levando à morte celular. Os pesquisadores perguntaram se essa via molecular desempenha um papel em casos graves de tuberculose, que estão associados à necrose do pulmão. Eles estudaram camundongos que foram deficientes para receptor P2X7R e descobriram que aqueles ratinhos sobreviveram bem às infecções causadas pelas cepas hipervirulentas, enquanto os camundongos normais morreram precocemente devido à severa inflamação.

- Isto abre caminho para novas abordagens terapêuticas em que os medicamentos destinados a inibir o receptor P2X7R serão usados para melhorar os resultados do tratamento de formas agressivas da tuberculose – explica a professora Elena Lassounskaia.

Entretanto, as melhorias no quadro de doença em camundongos sem o P2X7R só foram vistos após a infecção com as micobactérias hipervirulentas. Em animais infectadaos com uma cepa de bactéria menos agressiva, a estimulação de células imunitárias mediada por P2X7R foi menos intensa e não resultou em morte celular e liberação de micobactérias vivas, e assim efetivamente contribuiu para a contenção da infecção, em vez da sua propagação.

Os efeitos opostos de P2X7R observados na infecção pulmonar com cepas micobacterianas hipervirulentas e cepas menos agressivas, respectivamente, poderiam explicar um enigma epidemiológico: as variantes defeituosas do gene de P2X7R que determinam a perda da sua função de P2X7R são comuns na população humana moderna, apesar do fato de que o receptor funcional pode contribuir para a proteção contra micobactéria em casos da infecção moderada. Com base nos seus resultados, os investigadores sugeriram que tais variações podem aumentar o risco de doença moderada, mas reduzir o risco de tuberculose grave. Isso, dizem eles, "poderia explicar por que a pressão evolutiva tem mantido esses polimorfismos do gene a taxas elevadas na população humana".

UENF reforça estrutura laboratorial

Pesquisas com micro-organismos como a bactéria causadora da tuberculose, que é transmitida facilmente através de ar, exigem estrutura laboratorial cuidadosa. Até agora, os pesquisadores da UENF estavam encontrando dificuldades no desenvolvimento dos seus projetos de pesquisa dos micro-organismos de maior risco por falta da infraestrutura adequada, dependendo da  cooperação com outras instituições, como foi o caso da parceria com a USP.

Com verba de R$ 430 mil captada junto à Financiadora de Estudos e Projetos (Finep, vinculada ao governo federal), a UENF iniciou este ano a construção de uma sala multiusuária de nível 3 de biossegurança (NB3), apropriada para  pesquisas com agentes de maior risco. Segundo a professora Elena Lassounskaia, a nova estrutura também será importante em função do aumento dos fluxos migratórios de pessoas na região por conta do funcionamento do Complexo Portuário do Açu, que pode levar ao aparecimento de micro-organismos patogênicos não típicos para a região. A sala multiusuária será usada não apenas por vários laboratórios da própria UENF, mas também por pesquisadores-colaboradores do Instituto Federal Fluminense (IFF), da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ/polo Macaé) e do Hospital Geral de Guarus, da Prefeitura de Campos.

Além da conclusão da obra, prevista para cerca de quatro meses, Elena vislumbra o desafio de treinar toda a equipe técnica envolvida no trabalho NB3 e oferecer a ela um adicional condizente de insalubridade, a seu ver ainda insatisfatório.

- Também é preciso que o Conselho Universitário aprove finalmente a criação da Comissão Interna de Biossegurança, que de acordo com a legislação nacional deve organizar e fiscalizar todo trabalho com organismos geneticamente modificados (animais, plantas, células, micróbios), além de patógenos e animais infectados – lembra a professora.

Reportagem: Gustavo Smiderle
Fotos: Alex Cordeiro

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