segunda-feira, 9 de julho de 2012

Piscicultura ornamental: crescimento com novas tecnologias

Melanotaenia maçã
A maior parte dos peixes ornamentais comercializados nas lojas de todo o país provém da aquicultura nacional – apenas 10% deles ainda têm sua origem na pesca extrativista. Um mercado que movimenta cerca de U$ 1 bilhão no Brasil e, se depender de um grupo de pesquisadores da UENF, pode crescer ainda mais com a utilização de novas tecnologias. Nesta entrevista, o professor Manuel Vazquez Vidal Júnior, do Laboratório de Zootecnia e Nutrição Animal (LZNA) da UENF – que acaba de participar do V Congresso da Sociedade Brasileira de Aquicultura e Biologia Aquática (Aquaciência 2012), em Palmas (TO) – fala sobre o papel da pesquisa no crescimento da piscicultura ornamental.

Ciência UENF - De que forma a pesquisa pode alavancar a cadeia do aquarismo?

Manuel Vazquez - O aquarismo é mundialmente reconhecido pelo seu potencial educativo,  pela absorção rápida de tecnologias e equipamentos que aumentem a qualidade e estabilidade da água, mas também pela avidez por novas espécies e novos morfotipos de espécies tradicionais (variações de forma e cor, como o que vemos no guppy, betta, acará disco e kinguio, este ultimo mais conhecido como japonês no Rio de Janeiro). Neste primeiro aspecto, da avidez, a pesquisa científica, ao elucidar as biotécnicas da reprodução e da larvicultura de diversas espécies de peixes ornamentais, permite que espécies novas cheguem ao mercado, inclusive espécies em extinção. Também ao aumentar a eficiência da larvicultura, através dos estudos de ontogenia e nutrição, resulta em maior porcentagem de sobrevivência de cada prole, permitindo a seleção de exemplares  que, apesar de menos resistentes, expressam a informação genética que o mercado deseja.

Ciência UENF – Por que os peixes que passam pelo processo de melhoramento são menos resistentes e como a pesquisa científica pode ajudar?

Manuel Vazquez - Os peixes modificados pelo processo de melhoramento, via de regra, possuem formato que os torna menos eficientes na natação e, consequentemente, na captura do alimento, além de cores que facilitam sua localização pelos predadores. Portanto, só com  alterações na forma de cultivo, principalmente das fases iniciais de vida, pode-se garantir a sobrevivência destes animais de interesse ornamental. Ainda no campo das pesquisas que apoiam o aquarismo, as investigações no campo da nutrição, notadamente em digestibilidade e nutracêutica, resultam na fabricação de rações que poluem menos o ambiente (e o aquário), além da incorporação de substâncias naturais  (como betaglucanos, alicina, garlicina, propulina etc) que estimulam o sistema imune dos peixes, aumentando sua resistência a doenças.

Ciência UENF - Os criadores são receptivos às novas tecnologias?

Manuel Vazquez - Sim. Os criadores na sua maioria percebem as necessidades e anseios dos consumidores finais (aquaristas) e investem na tentativa de atender tais necessidades. É sempre bom lembrar que este é um mercado que movimenta mais de um bilhão de dólares apenas no Brasil. Isso apesar de o aquarismo ainda não ser uma atividade forte em nosso país, se comparado à Europa Ocidental, Japão, EUA e Oriente Médio.

Betta
Ciência UENF - Qual o panorama da produção de peixes ornamentais no Brasil?

Manuel Vazquez - Os peixes ornamentais são produzidos no Brasil por criadores rurais e urbanos. Atualmente estima-se que atuem neste ramo 4 mil criadores, sendo que, destes, 450 estão na região de Muriaé (MG) e 200 nas cidades circunvizinhas a Magé (RJ). Ambas as regiões são assistidas pela UENF e lá são realizados diversos experimentos. No Brasil temos  uma parte da produção de peixes ornamentais sendo originada da pesca extrativista no Centro Oeste e, principalmente, na Região Norte. Entretanto, mais de 90% dos exemplares comercializados nas lojas do Brasil são fruto da aquicultura (cultivo) nacional.

Ciência UENF – Quais são os principais entraves ao crescimento do setor no Brasil?

Manuel Vazquez - O mercado tem se mostrado dinâmico e com bom índice de crescimento. Comumente os técnicos que atuam neste segmento apontam a demora em incorporar novas espécies e variedades ao rol das cultivadas no Brasil como um gargalo que inibe a expansão do setor por não atender ao anseio do consumidor. Entretanto, o que verificamos é que, em menos de dois anos após uma variedade ser lançada em qualquer parte do mundo, ela já está sendo cultivada com baixo custo no Brasil. Concordo que o gargalo está na ponta da cadeia produtiva, mas na minha opinião é a baixa qualificação dos lojistas e balconistas. Estes, ao passarem informações imprecisas aos aquaristas iniciantes, levam a uma elevada taxa de insucesso e desistência do hobby.

Ciência UENF - Quais estudos a UENF vem realizando  e em que medida eles têm sido aplicados na área?

Manuel Vazquez - A UENF vem estudando a embriologia e a larvicultura de diversas espécies de peixes ornamentais, como as botias, labeos e os acarás disco e bandeira. Além disso, tem realizado ensaios de digestibilidade e proposto a utilização de imunoestimulantes nas rações. Estes resultados têm sido divulgados (como agora no Aquaciência) e parte deles já foi incorporada ao setor produtivo.


Ciência UENF - Você disse que uma parte dos peixes ornamentais comercializados ainda provém da pesca extrativista. Não existe nenhuma limitação, na legislação brasileira, em relação a esta atividade?

Manuel Vazquez - A Legislação atual limita as espécies que podem ser pescadas e impõe restrições quanto ao método de pesca, o número de pescadores e a quantidade de exemplares. Entretanto, o maior problema é que esta atividade é socialmente injusta. Os pescadores costumam receber menos de um centavo por um cardinal (ou neon verdadeiro). Este mesmo peixe é comercializado em Campos por quatro reais e no exterior por 5 dólares. Assim um pescador precisa imprimir elevado esforço de pesca para poder obter uma remuneração próxima de um salário mínimo e muitas vezes acaba transgredindo a lei para garantir seu sustento. Um trabalhador que atua na produção de peixes ornamentais ganha no mínimo um salário mínimo e participação nas vendas. Geralmente no polo de Muriaé isso significa de R$  900 a R$ 1.100 líquidos e, nos polos onde se trabalha com espécies de maior valor agregado, salários acima de R$ 1.400. Estes valores são para os funcionários menos especializados. Esta realidade, somada à degradação ambiental que a pesca pode causar, deixa os pesquisadores um pouco preocupados, mas nada se compara ao avanço das usinas hidroelétricas sobre as águas da Bacia Amazônica. Neste último caso, espécies recém descobertas já correm sério risco de extinção, como o acari zebra.

Fúlvia D'Alessandri

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