sexta-feira, 19 de julho de 2013

Cutícula protetora

Cientistas descobrem por que ovos de insetos são protegidos contra a perda de água; mecanismo pode ter ajudado na conquista do ambiente terrestre

Cutícula serosa isolada
Uma película impermeável, formada dentro dos ovos de insetos em desenvolvimento, chamada cutícula serosa, protege o ovo contra a perda de água para o ambiente, conferindo a resistência à dessecação. Acredita-se que o surgimento dessa cutícula serosa, ao longo da evolução, foi um dos fatores que possibilitaram aos insetos conquistar o ambiente terrestre. Esta é a constatação da pesquisa “A serosa extraembrionária protege o ovo de insetos contra a perda de água”, publicada na revista Proceedings of the Royal Society B. Um dos autores do artigo é o professor da UENF, Gustavo Rezende, do Laboratório de Química e Função de Proteínas e Peptídeos (LCQFPP), em conjunto com os pesquisadores holandeses Chris Jacobs e Maurijn Van Der Zee.

A pesquisa analisa a embriogênese — uma etapa do ciclo de vida dos insetos — e parte do estudo buscou compreender de que forma os ovos do mosquito Aedes aegypti, que é o vetor da dengue (um inseto essencialmente aquático), consegue resistir em ambientes secos por até um ano. Segundo Rezende, a cutícula serosa, produzida por um grupo de células chamadas de “serosa”, impermeabiliza o ovo, impedindo a perda de água mesmo quando ele é colocado em um ambiente muito seco.  

— No início o embrião não está protegido contra perda de água e se for posto em um ambiente muito seco, ele murcha, seca e morre. Com cerca de um terço da embriogênese, as células da serosa já estão formadas e elas produzem a cutícula serosa, que é essencial para proteger o ovo de inseto contra a perda de água para o ambiente — explica.

 Rezende ressalta que futuramente esse processo de resistência à dessecação pode se tornar importante para o desenvolvimento de controle de insetos que sejam vetores de doenças ou pragas agrícolas. O artigo recebeu um comentário na revista científica Nature, feito pelo jornalista científico Ed Yong.

Besouro-castanho (Tribolium castaneum)
— Esse trabalho foi muito extenso e exigiu grandes esforços de toda a equipe envolvida. O Ed Yong é um renomado jornalista científico e ter recebido essa atenção, bem como toda a divulgação decorrente disso, nos mostrou o reconhecimento e a importância dessa pesquisa — disse.

O tema vem sendo estudado há mais de uma década por um grupo de pesquisa do qual Gustavo Rezende fazia parte, organizado pela professora Denise Valle, da Fiocruz. Em paralelo ao estudo do professor Gustavo em que o foco era o mosquito Aedes aegypti, o grupo do professor holandês Maurijn Van Der Zee analisava como a serosa se formava no besouro-castanho (Tribolium castaneum), e em 2005 foi produzido um ovo desse besouro sem as células da serosa. Só a partir do estudo com Aedes aegypti foi levantada a hipótese de que a serosa e a cutícula serosa poderiam ter a função de proteger os ovos contra a perda de água. Desta forma, em 2009 foi estabelecida uma colaboração que resultou no artigo publicado.

Cutícula serosa está presente só nos insetos
   
Dentre os artrópodes (animais invertebrados), os insetos foram os que tiveram mais sucesso em ocupar o ambiente terrestre. O grupo dos insetos também é o único a produzir uma cutícula serosa e possuir uma camada de células — a serosa — que envolve completamente o embrião durante a embriogênese.

Segundo Gustavo, trabalhos anteriores com mosquitos sugeriram que a cutícula serosa protegeria os embriões da perda de água para o ambiente, mas isso nunca foi confirmado experimentalmente. Para tentar comprovar a função da serosa e de sua cutícula na impermeabilização, foi utilizada a abordagem de gerar embriões do besouro Tribolium castaneum, que não possui serosa, ao bloquear a expressão do gene zen1. Outra abordagem feita foi a geração de embriões que possuem serosa, mas cuja cutícula serosa não é bem formada, através do bloqueio da expressão do gene chs1.

— Tanto embriões sem serosa quanto sem uma cutícula serosa bem formada conseguem se desenvolver normalmente em umidade relativa de 60%. No entanto, quando diminuimos gradativamente a umidade relativa para até 5%, esses embriões sem serosa e sem cutícula serosa não conseguem terminar seu desenvolvimento e morrem no meio do caminho. Por outro lado, embriões normais (que possuem a serosa e a cutícula) se desenvolvem normalmente mesmo em 5% de umidade relativa — disse.

Thaís Peixoto

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