terça-feira, 12 de junho de 2012

‘Uso seguro de agrotóxicos é um mito’


Para o geógrafo Marcos Pedlowski, professor do Laboratório de Estudos do Espaço Antrópico (LEEA) do Centro de Ciências do Homem (CCH) da UENF, “a única forma segura de se lidar com os agrotóxicos é parar de usá-los”. Estudioso do assunto, Pedlowski considera ‘um mito’ a ideia de que há um uso seguro destes produtos. “Creio que a transição para um modelo agrícola pós-Revolução Verde é um dos grandes desafios que a Humanidade deverá enfrentar ao longo do século XXI”, afirma. Graduado e mestre em Geografia pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), com doutorado em Environmental Design And Planning pela Virginia Polytechnic Institute and State University, ele concedeu a seguinte entrevista ao Blog Ciência UENF — que dá continuidade à reportagem Agrotóxicos trazem risco ao produtor, publicada em 11/06/12.

Ciência UENF - O uso de agrotóxicos na região é feito dentro das normas? Há fiscalização?
 
Marcos -  Na minha experiência de quase uma década em diversos assentamentos de reforma agrária no norte fluminense, a resposta, no que tange aos agricultores familiares, é que a prática não segue as normas existentes para tentar assegurar um uso minimamente seguro deste tipo de substâncias.  E também, no caso dos agricultores familiares, nunca tive a oportunidade de ouvir ou ver qualquer ação de fiscalização tanto na venda como na utilização destas substâncias. O fato é que, na maioria dos casos, são as próprias lojas agropecuárias que tentam oferecer, mesmo que precariamente, qualquer tipo de orientação. E isso é especialmente preocupante no que tange ao processo de contaminação ambiental e humana que está ocorrendo em nossa região, se considerarmos que por décadas tem existido a utilização de milhões de litros de agrotóxicos nos monocultivos de cana e, mais recentemente, de eucalipto. Em outras palavras, o que está surgindo agora em termos de evidências acerca dos usos e práticas por pequenos agricultores é apenas a ponta de um gigantesco iceberg de contaminação associado ao uso intensivo e indiscriminado de agrotóxicos na agricultura brasileira.

Ciência UENF -  Os agricultores sabem dos riscos que esses produtos oferecem à saúde?

Marcos - Eu diria que a maioria sabe, ainda que não haja um entendimento claro do que significa relaxar as normas de segurança que deveriam estar sendo seguidas na preparação, utilização e descarte de agrotóxicos. O problema é que, frente à necessidade de produzir para gerar renda e seguir as poucas orientações que recebem, os agricultores adotam uma postura pragmática de optar pela geração de renda. Esse é o problema de se lidar com um conjunto de substâncias cujos impactos na saúde se dão de forma crônica. Se o uso resultasse logo em sintomas agudos, a tendência ao pragmatismo cairia exponenciamente. A relação da exposição crônica/aguda dificulta a conscientização dos agricultores, já que muitas doenças só aparecem após um longo período de exposição, o que faz com que muitos impactos só ocorram após uma exposição prolongada, isto é, crônica. Isto também impede que muitas doenças que resultam de um caráter ocupacional sejam diretamente associadas ao contato e uso de agrotóxicos, inclusive diferentes tipos de câncer. Além disso, é preciso dizer que as pesquisas que temos realizado indicaram a presença de substâncias banidas na União Europeia, Estados Unidos e até na China. Isto significa dizer que muito provavelmente temos aqui um alto nível de contaminação entre agricultores e trabalhadores rurais que trabalhem diretamente com estas substâncias. Neste momento estamos inclusive iniciando um estudo do qual participarão estudantes da Faculdade de Medicina de Campos, no qual tentaremos verificar se já existem sinais físicos de alterações na saúde dos agricultores. Caso consigamos estabelecer vínculos inequívocos entre exposição a agrotóxicos e doenças, creio que poderemos também evoluir no processo pedagógico junto a esses agricultores.


Ciência UENF - Existe algum trabalho de conscientização dos agricultores quanto ao uso e risco dos agrotóxicos?

Marcos - A verdade é que não há nada consistente ou, tampouco, à altura do problema que estamos enfrentando, fruto do uso intenso de agrotóxicos.  A partir da minha experiência de campo, e de pelo menos duas monografias de graduação orientadas no curso de Ciências Sociais, posso afirmar que a instrução ocorre parcialmente nas lojas agropecuárias e depois se propaga dentro das comunidades a partir de canais informais construídos pelos próprios agricultores. E, dadas as crescentes evidências científicas de que estamos enfrentando um grave processo de contaminação ambiental e dos trabalhadores envolvidos no uso destas substâncias e que pode, inclusive, estar contaminando as pessoas que se alimentam da produção gerada a partir deste tipo de tecnologia, penso que é urgente que se reverta imediatamente esse quadro. E isso, no âmbito do Estado do Rio de Janeiro, exige que haja um reforço de pessoal e da infraestrutura tanto da Emater como da Pesagro. Da forma em que estes dois órgãos ligados à extensão e pesquisa agropecuária foram deixados, seus técnicos pouco ou nada podem fazer para instruir e redirecionar as práticas e costumes que estão vigindo neste momento.

Ciência UENF - Como fazer com que os pequenos agricultores utilizem os agrotóxicos de forma segura?

Marcos – Na minha opinião, existe um mito de que há um uso seguro possível para os agrotóxicos. A minha posição e de muitos outros pesquisadores que estudam esta problemática é de que a única forma segura de se lidar com os agrotóxicos é parar de usá-los. Neste sentido, cresce a importância da expansão dos cursos de agroecologia, visto que, a partir deste tipo de paradigma é que poderemos retornar a uma forma mais equilibrada de produzir alimentos que sejam fontes de vida e não de morte. E isto vai exigir que as universidades públicas, a UENF inclusive, passem a estudar de forma mais profunda como modificar os currículos de cursos que tenham uma interface direta com a produção agropecuária.  O bom nisso é que na UENF já estamos vendo o interesse pela agroecologia crescendo entre estudantes e professores. Creio que a transição para um modelo agrícola pós-Revolução Verde é um dos grandes desafios que a Humanidade deverá enfrentar ao longo do Século XXI. E, quanto mais cedo começarmos a ultrapassar o atual paradigma baseado nos agrotóxicos e nos organismos geneticamente modificados, melhor será.


Rebeca Picanço
Fúlvia D’Alessandri

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