Toda a polêmica em torno da descriminalização do aborto de anencéfalos — aprovada pelo Supremo Tribunal Federal (STF) na última semana — enseja uma pergunta: afinal, o feto com anencefalia pode sentir dor? Em outras palavras o aborto pode trazer algum tipo de sofrimento para ele? Para o professor Arthur Giraldi Guimarães, do Laboratório de Biologia Celular e Tecidual da UENF (LBCT), especialista em neurobiologia, a resposta é não.
— O bebê anencéfalo é incapaz de ter consciência e de ter sensações somáticas ou executar movimentos voluntários. Pode apenas ter movimentos involuntários e reflexos, ambos inconscientes, e não tem a capacidade de sentir dor, por exemplo. Isso se deve ao fato de o bebê anencéfalo não possuir o córtex cerebral — sede da consciência e das funções somáticas ou voluntárias, ou seja, aquelas que envolvem a consciência — explica.
Segundo o professor, a anencefalia é um tipo de malformação do tubo neural, estrutura que dá origem ao Sistema Nervoso Central (encéfalo e medula espinhal). Mais especificamente, se caracteriza pelo não fechamento do tubo neural na porção cefálica (correspondente à cabeça, onde fica localizado o encéfalo). Com isso, não se formam o córtex cerebral e o cerebelo. O encéfalo do bebê é constituído basicamente pelo tronco encefálico (região responsável por funções vitais, como a regulação da função cardiorrespiratória, por exemplo).
— Raramente os bebês anencéfalos sobrevivem mais que seis dias após o nascimento. A explicação exata ainda não é conhecida, mas provavelmente deve ter relação com o fato de o tronco encefálico, apesar de formado, provavelmente ser ineficiente. Embora a malformação mais grave seja no córtex, que nem se forma, o tronco encefálico também pode estar malformado, ainda que num menor grau. De qualquer forma, mesmo que o tronco fosse plenamente funcional, a vida seria vegetativa — diz.
Na maioria das vezes, a própria natureza se encarrega de abreviar a gravidez. Os 35% que nascem vivos sobrevivem apenas por horas ou poucos dias. Em raríssimos casos, o bebê sobrevive mais tempo, mas os cuidados, neste caso, devem ser constantes, uma vez que o tronco encefálico não é plenamente funcional. Isto impede a boa execução de funções basais e vitais, como o controle da respiração e da deglutição.
— Além disso, a anencefalia aumenta o risco de pré-eclâmpsia e de polidramnia (aumento do volume de líquido amniótico). Isso ocorre porque o bebê não tem o reflexo natural de engolir o líquido amniótico, aumentando o seu volume no interior do útero, o que pode levar a problemas secundários, como falta de contração na hora do parto e hemorragias — afirma o professor, que considera acertada a medida do STF que descriminaliza o aborto nestes casos. Para ele, a família deve ter o direito de decidir se quer manter a gravidez ou não, sabendo previamente que o bebê não tem chance de permanecer vivo.
Fúlvia D'Alessandri
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