terça-feira, 24 de março de 2015

Coluna Nutrição - Cromo: o mineral que está na moda




Cromo: o mineral que está na moda

Luiz Fernando Miranda da Silva e Karla da Silva Ferreira

Já está comprovado que o cromo é importante para a normalização da taxa de glicose no sangue (1, 2, 3), e há estudos indicando que pode ser importante para a síntese de proteínas musculares (4,5).
Comumente encontrado na natureza, o cromo se apresenta em dois principais estados de oxidação: o Cr+6 e o Cr+3. O Cr+6 é tóxico ao ser vivo e abundante em água e solo contaminado com resíduo industrial. O Cr+3, porém, naturalmente presente nas células animais, exerce nelas o efeito potencializador da ação da insulina, resultando em melhor captação de glicose sanguínea (4). Em humanos foi comprovado que a ausência de cromo na dieta de pessoas saudáveis eleva o nível de glicose no sangue acima da faixa de normalidade (99 mg/dL) (5,6), que, por sua vez, retorna aos valores normais após a ingestão regular do mineral (5).
Sabendo de sua importância à saúde, o Comitê de Nutrição dos EUA (Food Nutrition Board) estabeleceu, em 1989, que a ingestão diária de 35 microgramas seria suficiente para evitar aumentos indesejados de glicose no sangue em pessoas sem doenças e em adequado estado nutricional. Com base nesta recomendação, o Comitê considerou que, pelo menos, 50% da população teriam suas necessidades nutricionais de cromo atendidas. O ideal seria que houvesse uma recomendação que atendesse quase toda a população, no entanto, seriam necessários mais estudos sobre a função deste nutriente e se o mesmo é consumido habitualmente pelas pessoas. Sem estas pesquisas, fica impossível determinar a quantidade de cromo que certamente prevenirá a deficiência nutricional de indivíduos saudáveis (7).

Embora este mineral seja estudado há quase um século, foi a partir da década de 90 que as investigações de suas funções metabólicas ganharam mais notoriedade em função de novas descobertas, por exemplo, o favorecimento à síntese de proteína muscular (4). Por conta disto, pesquisas sobre o teor de cromo nos alimentos ganharam mais importância a partir de 2001, principalmente na Europa. Com base em alguns estudos, cientistas adquiriram mais conhecimento sobre a quantidade de cromo ingerida pela população, e se isto seria o suficiente para prevenir doenças, como o diabetes tipo II (11, 12,13, 14). Contudo, a hipótese de deficiência nutricional de cromo não está rechaçada na maioria dos países, em função do pouco conhecimento produzido no que tange à presença deste micronutriente nos alimentos.
Mesmo sem conhecimento sobre composição nutricional de alimentos e ingestão dietética de cromo, muitas empresas do ramo alimentício comercializam suplementos enriquecidos com cromo prometendo emagrecimento, ganho de músculos e melhor desempenho físico (16). No entanto, ainda não existem estudos que permitam confirmar este efeito.
Tendo em vista a escassez de estudos sobre este mineral no Brasil, pesquisadores da Universidade Estadual do Norte Fluminense Darcy Ribeiro (Laboratório de Tecnologia de Alimentos) quantificaram o teor de cromo em 200 tipos de alimentos consumidos no país (17). Na tabela abaixo, encontra-se o teor em alguns alimentos ricos em cromo. Tendo ciência destes resultados, é possível estimar a quantidade de cromo consumida pela população, saber se atende à recomendação nutricional (35 μg de Cr/dia), além de servir como base para novas diretrizes. 




Referências bibliográficas

1. VINCENT. J. (2013). A. Sigel, H. Sigel, and R.K.O. Sigel (eds.), Interrelations between Essential 171 Metal Ions and Human Diseases, Metal Ions in Life Sciences 13.
2. BROWN R O, FORLOINES-LYNN S, CROSS R E, HEIZER W D (1986). Chromium deficiency after long-term parenteral nutrition. Dig Dis Sci. 39:661-64
3. FREUND H, ATAMIAN S, FISCHER J E P (1979) Chromium deficiency during total parenteral nutrition. J. Am. Med. Assoc. 241:496-498.
4. HUA Y; CLARK S; REN J; SREEJAYAN N. (2012) Molecular mechanisms of chromium in alleviating insulin resistance. Journal of Nutritional Biochemistry 23:313-319.
5. ANDERSON, R. A. (1989) Essentiality of chromium in humans. Sci. Total Environ. 86:75–81.
6. CALIXTO-LIMA L, REIS NT (2014). Interpretação de exames laboratoriais aplicados à nutrição clínica. 1ª ed. Rio de Janeiro: Ed. Rubio Ltda. 490p.
7. VINCENT J B, STALLINGS D. (2007) The Nutritional Biochemistry of Chromium (III). Elsevier, Amsterdam. 956p.
8. COZZOLINO SMF (2009). Biodisponibilidade de nutrientes. 3ed. São Paulo: Ed. Manole. 1772p.
9. (IOM) INSTITUTE OF MEDICINE (1980). National Research Council, Recommended Dietary Allowances, 9th Ed. Report of the Committee on Dietary Allowances, Division of Biological Sciences, Assembly of Life Science, Food and Nutrition Board, Commission on Life Science, National Research Council , National Academy Press, Washington, D.C.
10. BRATAKOS M S, LAZOS E S, BRATAKOS SM (2002). Chromium content of selected Greek foods. The Science of the Total Environment 290: 47–58
11. GUÉRIN T, CHEKRI R, VASTEL C, SIROT V, VOLATIER J, LEBLANC J, NOËL L (2011). Determination of 20 trace elements in fish and other seafood from the French market. Food Chemistry 127: 934–942
12. LENDINEZ E, LORENZO M L, CABRERA C, LOPEZ M.C (2001). Chromium in basic foods of the Spanish diet: seafood, cereals, vegetables, olive oils and dairy products. The Science of the Total Environment 278:183-189.
13. SYKUŁA-ZAJĄC A, PAWLAK A (2012). Chromium in food prod. Biotechnol Food Sci, 76 (1), 27-34.
14. THOR M Y, HARNACK L, KING D, JASTHI B, PETTIT J (2011). Evaluation of the comprehensiveness and reliability of the chromium composition of foods in the literature. Journal of Food Composition and Analysis 24:1147–1152.
15. SILVA LFM (2010). Avaliação de produtos alimentares comercializados para fins especiais. [dissertação]. Campos dos Goytacazes (RJ) Universidade Estadual do Norte Fluminense.
16. SILVA, LFM (2014). Teor de cromo em alimentos e ingestão dietética de cromo por atletas de basquetebol. [Tese]. Campos dos Goytacazes (RJ) Universidade Estadual do Norte Fluminense Darcy Ribeiro. 72p.

sexta-feira, 13 de março de 2015

Coluna Nutrição - Afinal, comer ou não alimentos com glúten?




Afinal, comer ou não alimentos com glúten? 

Luiz Fernando Miranda da Silva
Karla Silva Ferreira

Aquele indivíduo com diarreia aguda acompanhada de dor e desconforto abdominal após comer alimentos contendo centeio, trigo ou cevada, pode apresentar reação autoimune ao glúten, denominada doença celíaca1, ou terem a síndrome Não Celíaco Sensível ao Glúten (NCGS), transtorno proposto em 2012 na Alemanha, na Segunda Reunião entre Especialistas em Sensibilidade ao Glúten (2,3).

Embora não se tenha estimativa concisa sobre o número de habitantes NCGS, acredita-se que seja maior do que os acometidos pela doença celíaca (1%). Nos EUA, a doença celíaca afeta 1,13% da população (1) e, no Brasil, dependendo da região, afeta entre 0,5% e 1,9% da população (4). Pessoas com pais ou avós doentes celíacos possuem maior chance de ter a doença, sem que necessariamente, apresente sintomas de sensibilidade (5).

O glúten está presente em quase todos os alimentos derivados de grãos de trigo, aveia, centeio e cevada, como pão, massas, biscoitos, bolos e torradas. O grão do trigo, assim como os demais cereais citados, contém no endosperma (tecido de reserva de nutrientes) o complexo de proteína chamada glúten (6) formado por duas proteínas: a gliadina e glutenina (Fig 1 e 2).  Quando misturado à água, o glúten forma uma massa viscosa e elástica capaz de aprisionar o gás carbônico produzido durante a fermentação, conferindo a textura e aparência característica do pão e bolos de trigo. Existem produtos não derivados dos cereais citados acima que possuem glúten como aditivo alimentar que lhe confere propriedade coesão-adesão (7) (ex.: cárneos triturados e do tipo surimi para produção de kani (7) e até em temperos (8)).




Quando ingerido, algumas frações peptídicas da gliadina oriundas da digestão parcial do glutén são reconhecidas pelas células linfocíticas T CD4+ desencadeando resposta inflamatória autoimune, causando em médio e longo prazo dano ao tecido intestinal, achatamento da mucosa e queda na capacidade da mesma em absorver nutrientes, resultando em diarreia, dor abdominal, produção excessiva de gases, anemia, osteoporose, baixo crescimento e, ou desnutrição (1,3,12).

O diagnóstico da doença deve ser feito por médicos e não é simples, uma vez que os sintomas se confundem com outras doenças inflamatórias intestinais (1). Portanto, é preciso investigar o estado nutricional do paciente, principalmente bioquímico (ferro, vitamina B12 é ácido fólico) (12), sobretudo a presença de anticorpos antigliadina, antiendomísio e antitransglutaminase nas secreções intestinais (5). Ainda assim, a biopsia intestinal antes e após a retirada do glúten na dieta é definitivo (5,1).

Recomenda-se aos pacientes sensíveis ou alérgicos ou glúten a  isenção do mesmo da dieta, mas isto pode ser difícil, uma vez que os produtos à base de cerais estão presentes em diversos alimentos preparados. Alguns doentes em tratamento abandonam a dieta (30%) (13) podendo não apresentar sintomas significativos, ao passo que outros são mais sensíveis e podem ter reação aguda mesmo ingerindo pequena quantidade de alimentos com glúten. Ou seja, o grau de tolerância varia entre estes doentes.  Desta forma, o ideal é a isenção de glúten dietético e promover a vigilância do que ingere, por exemplo, lendo os rótulos nutricionais na secção “ingredientes”.

Na figura 3 é apresentado um rótulo nutricional referente a um bolo. Observe que, além da informação nutricional, são apresentados os ingredientes utilizados em sua fabricação seguidos da frase “Contém glúten”. Nota-se que o produto contém farinha de trigo e, por sua vez, o glúten. Segundo a Lei Federal no 10.674, todos os fabricantes da indústria alimentícia devem escrever nas embalagens de todos os alimentos industrializados se o alimento contém ou não o glúten (5).



Trigo, cevada, centeio e aveia são as principais fontes de glúten (12), e cada glúten possui complexo de proteína peculiar. No trigo está presente a gliadina, na cevada a hordeína (14), e no centeio a secalina (15). O efeito tóxico causado por estas prolaminas está associado à gliadina e hordeína. Sobre a secalina há poucas evidências (15) e sobre a avenina há evidências de que quantidade limitada não é prejudicial aos doentes sensíveis ao glúten. Para verificar o efeito dietético da avenina, pesquisadores finlandeses mostraram que a ingestão diária de 49 g de aveia não provocou efeito adverso na mucosa intestinal em doentes celíacos diagnosticados (16), e, em 2014, a Associação Celíaca Canadense se posicionou a favor do consumo diário de até 70 g de aveia como seguro aos doentes celíacos (17). No Brasil, ainda não existe parecer semelhante.

Está na moda a dieta sem glúten e a recomendação para a restrição do consumo vinha sendo adotada de forma indiscriminada, o que levou o Conselho Regional de Nutricionistas (CRN-3) a promover um encontro científico para a discussão do tema no Brasil. Neste encontro ficou acordado que a eliminação do glúten da dieta só deve acontecer mediante diagnóstico clínico confirmado de doença celíaca, de dermatite herpetiforme, de alergia ao glúten, ou quando, eliminada a hipótese de doença celíaca, haja diagnóstico clínico confirmado por médicos de sensibilidade ao glúten (intolerância ao glúten–não celíaca ou NCGS).

Embora a dieta sem glúten contribua para o emagrecimento, uma vez que há menor ingestão de alimentos ricos em carboidratos tornando mais fácil o alcance do déficit energético, e, portanto, a perda de gordura corporal, a prática não é recomendada para este fim pelo risco de prejuízos à saúde, como perda de músculos e deficiência nutricional.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

1. DAN L, et al. Medicina interna. 18ª edição. Porto Alegre. Artmed. 2013, 3416p.
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5. _____. Presidência da República. Lei 10.674, de 16 de maio de 2003. Obriga a que os produtos alimentícios comercializados informem sobre a presença de glúten, como medida preventiva e de controle da doença celíaca. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis /2003/l10.674.htm. Acesso em: 04 jan. 2014.
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