terça-feira, 26 de fevereiro de 2013

Toxoplasmose é endêmica em Campos

Problema é maior onde não há água tratada nem rede de esgoto, diz pesquisadora da UENF 

Lílian Bahia
Assim como ocorre em outros municípios do país, a toxoplasmose é altamente endêmica em Campos, principalmente entre a população de baixa renda — exposta ao risco de infecção devido à falta de acesso à água tratada e à rede de esgoto. Estudiosa do assunto há quase 20 anos, a professora Lílian Bahia, do Laboratório de Biologia do Reconhecer (LBR) do Centro de Biociências e Biotecnologia (CBB) da UENF, é autora do artigo Immunological and Immunogenetic Parameters on the Diversity of Ocular Toxoplasmosis: Evidence to Support Morphological Criteria to Classify Retinal/Retinochoroidal Scar Lesions in Epidemiologic Surveys (‘Parâmetros Imunológicos e genéticos na diversidade da toxoplasmose ocular: evidências que suportam critérios morfológicos para a classificação cicatrizes de lesões em levantamentos epidemiológicos’).

O artigo é um dos capítulos do livro Toxoplasmosis - Recent Advances, publicado há cerca de cinco meses pela editora InTech na modalidade ‘open access’ (acesso livre de custos). Até o início de fevereiro, o capítulo — que apresenta como coautores alguns dos alunos e ex-alunos do Programa de pós-Graduação em Biociências e Biotecnologia orientados pela professora Lílian — contava com mais de 800 acessos. Nesta entrevista, Lílian comenta o artigo e fala sobre a toxoplasmose, que pode levar à cegueira ou, no caso de pacientes imunodeprimidos, a problemas neurológicos graves.

Ciência UENF - Qual o objetivo de suas pesquisas na área de toxoplasmose?

Lílian - Temos trabalhado em Campos com imunoepidemiologia da toxoplasmose, buscando marcadores moleculares e genéticos associados à manifestação ocular da toxoplasmose. Em nossas pesquisas, observamos que as pessoas que apresentam lesões oculares da toxoplasmose podem ser agrupadas de acordo com o grau de destruição da retina. Quanto mais destruição houver na retina, mais grave será a lesão. Um considerável percentual de pessoas apresenta lesões mais leves. Temos estudado o perfil imunológico e genético para algumas moléculas e genes destas pessoas e observamos que há uma correlação  tanto do perfil imunológico quanto do perfil gênico que se associam ou à susceptibilidade ou à resistência para a manifestação ocular da toxoplasmose. Esses estudos são promissores para abrirem novas perspectivas para o tratamento e prevenção da toxoplasmose.

Ciência UENF – Como a toxoplasmose é adquirida? 

Lílian - A toxoplasmose é uma zoonose (infecção que afeta tanto animais quanto humanos) causada pelo parasita intracelular obrigatório Toxoplasma gondii. Ela pode ser adquirida durante a gestação, das seguintes formas: quando a mãe se infecta estando grávida ou quando se infecta e logo após (um período breve de tempo) engravida. Pode também ser adquirida pela ingestão de cistos do parasita (chamados oocistos) presentes no meio ambiente, que podem contaminar água, solo e plantas (hortaliças). Pode ainda ser adquirida pela ingestão de cistos do parasita presentes em carnes para consumo humano mal passadas, em especial a carne de carneiro e a de porco. E ainda é possível adquirir a toxoplasmose em situações de transplante de órgãos, como, por exemplo, quando o doador tem toxoplasmose e o receptor não tem.

Ciência UENF - E quais os sintomas da doença?

Toxoplasma gondii
Lílian - Os sintomas variam de acordo com o tempo passado após a aquisição da infecção (fase aguda ou crônica)  e o momento em que foi adquirida — na vida intrauterina (infecção congênita) ou após o nascimento, na infância ou na vida adulta. Quando a infecção se dá após o nascimento, (tanto na infância quanto na vida adulta) os sintomas podem passar despercebidos. Mas há casos em que ocorrem sinais mais evidentes, como prostração, febre, infartamento ganglionar, principalmente cervical, ou seja, sintomas que são também comuns em um quadro gripal ou de mononucleose,  por exemplo. Mais tardiamente, a pessoa que adquiriu toxoplasmose após o nascimento pode ou não apresentar sintomas neurológicos e/ou visuais. Um percentual que pode variar dependendo da região (por exemplo, no sul do Brasil esse percentual é diferente do Rio de Janeiro) apresenta principalmente sintomas oculares, que podem ou não ter impacto na qualidade da visão. Às vezes pode haver perda parcial ou total da visão, dependendo da extensão da lesão na retina e se há lesão em apenas um ou em ambos os olhos. Os problemas neurológicos em geral aparecem quando há uma imunossupressão importante, como no caso das infecções pelo HIV, em alguns tipos de câncer e em situações de transplante. É importante ressaltar que, no caso de infecção após o nascimento, os relatos dos sintomas podem ser diferentes entre adultos e crianças, em função da capacidade de relatá-los. Muitas vezes a criança pode apresentar embaçamento visual, por exemplo, e não saber relatar o fato.

Ciência UENF – E quanto à infecção adquirida durante à gestação?

Lílian - Na infecção adquirida durante a gestação, os sintomas e sinais  dependem da etapa da gestação em que a mãe adquiriu a infecção. Quanto mais cedo na vida gestacional o bebê for infectado, mais grave será a infecção, que pode inclusive causar o aborto. Os sinais podem ou não ser evidentes ao nascimento e também podem ser de ordem neurológica e oftalmológica. Novamente, nos casos em que os sinais não forem evidentes ao nascimento ou na primeira infância, poderão ser relatados tardiamente quando a criança for capaz de constatar uma baixa visual, por exemplo. Da mesma maneira, a pessoa que adquiriu toxoplasmose na vida intrauterina correrá os riscos de apresentar sintomas neurológicos e/ou visuais nas mesmas situações em que apresenta uma pessoa que adquiriu a toxoplasmose após o nascimento, ou seja, em situações de infecções pelo HIV, alguns tipos de câncer e em transplantes de órgãos.

Ciência UENF – Como é o tratamento?

Lílian - O tratamento é feito à base de sulfas e pirimetaminas. Via de regra, estes medicamentos não curam a doença, mas são prescritos para crianças e em casos de doença neurológica e ocular com o objetivo de diminuir a quantidade de parasitas livres que saem das células para infectar outras células, ou seja, outros tecidos. O tratamento não elimina (mata) os protozoários que já estão dentro de cistos, os quais têm uma eficiência grande para encistar rapidamente.

Ciência UENF – Como é a situação da doença em Campos dos Goytacazes?

Lílian - Em Campos, assim como em outras regiões do Brasil, a toxoplasmose é altamente endêmica, ou seja muito prevalente,  principalmente para a população exposta ao risco de infecção ambiental por educação precária, falta de acesso à água tratada e à rede de esgoto, isto é, a população economicamente mais sacrificada.

Ciência UENF - O que você relata no capítulo do livro recém publicado?

Lílian - O reconhecimento das cicatrizes encontradas na retina e coroide de pacientes com toxoplasmose, e que presumivelmente são causadas pela infecção com o parasito Toxoplasma gondii, é subjetivo e condicionado à experiência individual do médico oftalmologista que examina o paciente. Algumas cicatrizes são universalmente reconhecidas pela grande maioria dos oftalmologistas. Já outras podem deixar margens de dúvida quanto ao agente etiológico. Neste capítulo mostramos evidências epidemiológicas relativas ao perfil genético e à resposta imune específica ao parasito por parte de pacientes portadores de lesões na retina e ou retina e coroide que dão suporte à classificação de lesões que podem não vir a ser reconhecidas/identificadas como sendo causadas pela infecção com o parasito Toxoplasma gondii. Nossa proposta tem o potencial de auxiliar a melhor compreensão dos fenômenos envolvidos na relação parasito-hospedeiro na toxoplasmose ocular e pode vir a ser útil para auxiliar no manejo clínico da toxoplasmose ocular bem como para melhor estimar a real prevalência da toxoplasmose ocular no mundo, em especial no Brasil. No Brasil  há discrepâncias  entre a prevalência da toxoplasmose ocular em áreas de prevalência sorológica similar para a toxoplasmose. Essa última questão é bem discutida no capítulo tomando como exemplo ilustrativo algumas áreas estudadas no Brasil.

Fúlvia D'Alessandri

sexta-feira, 22 de fevereiro de 2013

Olhar a forma, aprender o conteúdo

Pesquisadora explica como são feitas e conservadas as peças para estudo da Anatomia Animal

Ana Bárbara (esq.): lançando as bases do conhecimento
Como parte do Hospital Veterinário da UENF, a Seção de Anatomia Animal do Laboratório de Morfologia e Patologia foi criada para que os alunos tenham a possibilidade de adquirir uma visão diferenciada e mais detalhada sobre os animais domésticos. A ideia é propiciar um estudo comparado  voltado para a prática da disciplina. A professora Ana Bárbara Freitas Rodrigues, responsável pelas disciplinas de Anatomia Animal, elabora e ministra aulas a partir de peças anatômicas e espécimes animais preparados pelas mais variadas técnicas anatômicas.

— Aqui eu busco trabalhar com os alunos utilizando, além da teoria, a forma prática para que eles compreendam melhor cada detalhe de um animal que esteja sendo estudado. É necessário dar uma condição inicial aos estudantes para que eles conheçam todo o processo e futuramente tenham a teoria e a prática refletidas no trabalho — disse.

Uma das maneiras de preparar um estudo prático com um órgão de animal, por exemplo, é a técnica de secagem por injeção de ar. O método de secagem por injeção de ar consiste em um método de baixo custo e com alto poder de conservação, sendo uma excelente ferramenta para substituição da utilização de formol em peças ocas. Este é um método de conservação de vísceras ocas que consiste na eliminação da umidade do tecido através da injeção de ar na luz do órgão. Este deve ser submetido a um constante fluxo de ar, capaz de manter o órgão dilatado até a completa secagem. Após esta etapa, quando a forma do órgão se encontra inalterada, pulveriza-se o mesmo com terebentina e finaliza o processo com a envernização da peça.

Dentre as diversas ferramentas de ensino, a Seção de Anatomia Animal conta com esqueletos montados de animais como cão, suíno, equino e caprino. Também é possível vivenciar a morfoloia externa de animais domésticos e silvestres taxidermizados. A taxidermia é uma técnica muito antiga, iniciada pelos egípcios cerca de 2.500 a.C.. É usada para a criação de coleção científica e para fins de exposição. Ela é considerada importante ferramenta no processo conservacionista, trazendo alternativa de lazer e cultura para a sociedade. O  principal objetivo do uso dessa técnica é o resgate de espécimes descartados, reconstituindo suas características físicas e, às vezes, simulando seu habitat o mais fielmente possível para que possam ser usados como ferramentas para educação ambiental ou como material didático.  Para Ana Bárbara, estudar e ensinar a topografia dos órgãos e a relação das vísceras exigem "muito empenho e amor pelo que se faz".

Para as estudantes Aline Félix, 19 anos, e Stephany Carvalho, 21 – ambas do segundo período de Medicina Veterinária na UENF -, a prática é essencial e amplia a visão de tudo que é estudado na teoria.

— Os ensinamentos teóricos são fundamentais, mas quando temos o material para ser analisado, nós conseguimos obter todos os detalhes e as especificações das peças. Isso é muito gratificante — afirma Aline. 
   
Thaís Peixoto

quarta-feira, 20 de fevereiro de 2013

Coluna Nutrição - Abacate




Abacate


 Luiz Fernando Miranda e Karla Silva Ferreira*  


O abacate é um fruto que se destaca pelos teores de fibras, alguns minerais, gordura, vitamina E e ácido fólico. Por suas características nutricionais, é benéfico para o coração, bom funcionamento do intestino e não tão energético (calórico) como dizem. Uma porção média, 50 gramas, fornece 74 Kcal, o que equivale quase à metade do fornecido por um pão francês, que também pesa 50 gramas (vide tabela nutricional). O ácido fólico é importante para a síntese de proteínas, formação do sangue e previne má formação no feto, daí ser tão importante para gestantes.

A vitamina E é um forte agente antioxidante que protege as membranas celulares e também a formação das placas que obstruem as artérias. Desta forma, ajuda na prevenção contra doenças cardiovasculares e até determinados tipos de câncer. Além disso, o tipo de gordura predominante no abacate não é prejudicial à saúde: são os ácidos graxos monoinsaturados.



Devido a estas suas propriedades o abacate é utilizado na fabricação de cosméticos, mas pouco utilizado na culinária brasileira, de forma que deveríamos aumentar o consumo desta fruta. Como sugestões de consumo pode-se citar: na forma de vitamina, batida com leite, no café da manhã ou lanche da tarde; simplesmente amassada (adoçada ou não); e no molho guacamole, que faz parte da culinária mexicana. Uma receita exótica e saborosa é o guacamole com nachos.

O guacamole é preparado da seguinte maneira:



INGREDIENTES
1 abacate médio maduro (uma fruta de tamanho médio pesa, aproximadamente, 350 gramas e pode apresentar grande variação na forma e cor)
2 colheres (sopa) de azeite de oliva
2 colheres (sopa) de suco de limão
1 tomate sem pele e sem sementes cortados em cubos
½ cebola processada
3 ramos de coentro processados
4 ramos de salsa processados
1 colher (chá) de chili
1 colher (sopa) de molho inglês
Sal a gosto
1 pacote de nachos

MODO DE PREPARO
Com um garfo amasse o abacate com o azeite e o limão. Coloque num recipiente juntamente com os outros ingredientes misturando bem. Sirva gelado ou em temperatura ambiente, acompanhando os nachos.

*Doutorando e professora do Laboratório de Tecnologia de Alimentos (LTA) da UENF.

quinta-feira, 14 de fevereiro de 2013

Ennio Candotti: precisamos atingir 100 milhões de pessoas

Candotti (foto Rede Globo)
O físico Ennio Candotti, quatro vezes presidente da SBPC (Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência), fala sobre os desafios da divulgação científica no Brasil ao blog Dissertação sobre Divulgação Científica. 

Para Candotti, o país precisa de um número "dez vezes maior" de divulgadores da ciência.

Confira a entrevista.

sexta-feira, 8 de fevereiro de 2013

Coluna Um quê de neurociência





Estado vegetativo e eutanásia: como ter certeza?


Arthur Giraldi Guimarães*


Após uma breve pausa, retornamos com nosso "neuropapo" mensal! 


Infelizmente, as lesões do Sistema Nervoso Central (SNC) são muito frequentes na população mundial. Estão entre as principais causas de morte e são a maior causa de incapacitação em seres humanos na atualidade. Como o SNC (figura 1) é o responsável pelos nossos movimentos, sensações e faculdades cognitivas, não é difícil entender porque uma lesão no encéfalo ou na medula espinhal pode ser tão devastadora.

No nosso dia a dia, frequentemente assistimos a notícias na TV (ou vivenciamos isso no nosso ciclo de contatos pessoais) sobre alguém que levou um tiro na cabeça, ou sofreu traumatismo craniano após um grave acidente de carro ou moto, ou teve um Acidente Vascular Cerebral (AVC). E frases do tipo "entrou em estado de coma", "permanece em estado vegetativo" e "sofreu morte cerebral" se tornaram comuns no noticiário em geral.

Figura 1: O SNC é formado pelo encéfalo, localizado dentro da caixa craniana, e pela medula espinhal, localizada dentro da coluna vertebral.

Estes termos médicos estão todos relacionados com alterações nos níveis de resposta, conscientes e inconscientes, que uma pessoa é capaz de dar a estímulos após um acometimento do seu encéfalo, órgão responsável pela consciência e pela maior parte das respostas inconscientes.

O sistema nervoso pode ser dividido funcionalmente. O sistema nervoso somático é responsável pelas funções neurológicas voluntárias (conscientes), ou seja, por nossos movimentos voluntários e por nossas sensações conscientes. Ele controla os nossos músculos esqueléticos (que como o nome já diz, são associados ao esqueleto e são responsáveis pelo nosso comportamento consciente), bem como os nossos famosos "cinco sentidos".

O sistema nervoso autônomo (ou neurovegetativo, ou visceral) responde pelos controles involuntários (inconscientes). Isto corresponde aos movimentos internos das nossas vísceras, pois ele controla os músculos lisos destas, o músculo cardíaco (sendo que neste o controle é sobre a força e a frequência de contração, pois os batimentos são gerados pelo próprio coração e não dependem do sistema nervoso) e as secreções das glândulas exógenas. Ele também é responsável pelas sensações internas e inconscientes (monitoramento dos parâmetros internos do corpo, como pressão sanguínea, concentração de oxigênio e de gás carbônico do sangue, pH etc...).

Todo mundo anda ou levanta um dos braços quando quer fazer isso, mas ninguém controla quando o pâncreas vai secretar seu suco no interior do intestino. Da mesma forma, todo mundo vê, ouve ou sente algo tocando na pele, mas ninguém sente quando seu pH sanguíneo aumenta ou diminui. E é bom que seja assim! Imagina se você também tivesse que pensar para voluntariamente controlar seu sistema digestivo, sua pressão sanguínea, sua frequência respiratória e etc...? Não sobraria espaço para comandar as coisas que fazemos voluntariamente no nosso dia a dia, não é verdade?

O encéfalo é o responsável pelos dois sistemas. A sede da consciência é o telencéfalo, que corresponde ao que chamamos de cérebro (figura 2). Entretanto, a consciência também depende de outras estruturas, em especial o tronco encefálico (figura 2), que é responsável por "ligar" ou "desligar" o cérebro. Quando o tronco liga o cérebro estamos acordados (em vigília), e quando o tronco desliga o cérebro nós dormimos. Os sonhos são resultados de estimulações específicas do cérebro pelo tronco, ao mesmo tempo em que este bloqueia os comandos motores, impedindo os movimentos. Já as funções inconscientes são desempenhadas por diversas regiões, em especial o hipotálamo (figura 2), o tronco encefálico e o próprio cérebro.

O estado de coma se caracteriza pela perda da consciência, semelhante a um sono profundo. Mas não é um sono natural, pois a pessoa não acorda se for estimulada. O cérebro funciona, mas num nível de atividade muito baixo para permitir o estado de vigília, e mais ainda para permitir a consciência, apesar do indivíduo manter respostas e funções neurológicas involuntárias.

É causado quando a lesão encefálica atinge a região do tronco encefálico responsável por "ligar" o cérebro, deixando-o desligado. Como o tronco também controla funções neurológicas involuntárias vitais, como os movimentos respiratórios, pode-se observar perda de algumas destas funções, sendo necessário o uso de respirador artificial, por exemplo. Este estado pode durar dias, semanas ou meses.

Figura 2 - Principais regiões que compõem o encéfalo. O telencéfalo corresponde  ao que chamamos de 'cérebro'.  O  tronco encefálico se localiza mais internamente e está em continuidade com a medula espinhal.


Quando uma pessoa sofre uma lesão muito extensa e grave no cérebro, é comum os médicos provocarem o chamado coma induzido, através da aplicação de barbitúricos (drogas sedativas), que reduzem o nível de consciência. Essas drogas reduzem a atividade e o metabolismo encefálicos, levando à redução do seu fluxo sanguíneo. Portanto, a finalidade desta abordagem terapêutica é evitar o aumento da pressão intracraniana, reduzindo a pressão sanguínea e o edema que ocorre durante a resposta inflamatória à lesão.

Pior que o coma só a morte encefálica (mais conhecida como morte cerebral), que é o estado onde a pessoa perde, além da consciência, todas as respostas involuntárias. Ou seja, a pessoa perde irreversivelmente qualquer resposta neurológica derivada do seu encéfalo (mantendo apenas os reflexos da medula espinhal e o controle do trato gastrointestinal feito pelo Sistema Nervoso Entérico).

Do ponto de vista médico e legal, a morte encefálica é sinônima da própria morte, pois se considera que com a perda irreversível da funcionalidade do encéfalo, o que acarreta a perda das funções neurológicas (a principal delas a consciência), a vida humana não se faz mais presente. Mesmo que os outros sistemas fisiológicos estejam em funcionamento.

O coma pode evoluir para uma situação conhecida como estado vegetativo. Neste estado a pessoa volta a acordar, podendo manter um ciclo de sono e vigília normal. O nível de resposta a estímulos externos aumenta, voltando e ter respostas a estímulos visuais e auditivos, por exemplo. Entretanto, considera-se que a pessoa não apresenta consciência, não sendo capaz de manifestar reações voluntárias, mas apenas aquelas reflexas e involuntárias. Ele é resultado do retorno da capacidade do tronco em promover o ciclo de sono e vigília, mas quando o dano ao cérebro ou ao tálamo (porta de entrada sensorial para o cérebro; figura 2) é muito grande isto dificulta o retorno da consciência.

Este estado pode durar meses, anos ou mesmo décadas, e sempre suscita a discussão sobre a legalidade e a ética do uso da eutanásia nestes casos. Por um lado, manter por décadas um ente querido vivo, mas inconsciente, corresponde a um sofrimento devastador para a família. Por outro lado, existem evidências de que a inconsciência pode ser apenas aparente, pois existem inúmeros relatos de que pessoas tidas como em estado vegetativo foram capazes de chorar e sorrir, sendo estes claros sinais de consciência, ainda que precária.

Estudos da equipe liderada pelo neurocientista Adrian M. Owen, do Instituto de Mente e Cérebro da Universidade de Western Ontario -Canadá (publicados em revistas de grande relevância, como LANCET e The New England Journal of Medicine) podem ajudar a lançar luz sobre esse dilema. Nestes estudos eles utilizaram técnicas que permitem o registro da atividade cerebral, como o eletroencefalograma (EEG) e a ressonância magnética funcional (RMf).

Eles criaram protocolos simples que permitem ao paciente responder a uma pergunta, caso tenha consciência para isso. Num estudo, utilizando o EEG, foi pedido aos pacientes que se imaginassem apertando a mão direita e depois a relaxando toda vez que ouvissem um sinal sonoro específico. O padrão de ativação cerebral normal para esta tarefa foi caracterizado em pessoas saudáveis. O resultado foi que 3 dos 16 pacientes em estado vegetativo analisados mostraram o padrão de ativação normal quando solicitados a realizar da tarefa, o que sugere que eles entenderam e responderam corretamente.

Num outro estudo, utilizando a ressonância magnética, foi pedido para que 54 pacientes se imaginassem ou jogando tênis ou andando por locais familiares. Cada pensamento deste ativa uma região diferente do cérebro. Em 4 pacientes foi observado o padrão de ativação correto para cada pensamento (da área responsável pelo movimento do corpo no pensamento do tênis, e da área que comanda a noção espacial no pensamento do local familiar).

Além disso, 1 deles conseguiu inclusive associar o pensamento do tênis à resposta “sim” e o do local familiar à resposta “não”. Foram feitas 6 perguntas de resposta “sim” ou “não”, e ele acertou a 5.

Portanto, estes resultados mostram que o protocolo vigente para diagnóstico do estado vegetativo é falho e defasado. Este é só um dos exemplos de como as técnicas de imageamento funcional estão revolucionando o nosso conhecimento sobre o cérebro e ajudando o corrigir erros de diagnóstico.

Não se trata de fazer julgamentos, pois ninguém pode ser culpado pelo desconhecimento. Mas a inclusão destas técnicas no diagnóstico certamente irá evitar os possíveis erros já cometidos, como eutanásias praticadas em indivíduos conscientes, que não tiveram a chance de se manifestar se queriam ou não ter suas vidas abreviadas.

*Professor do Laboratório de Biologia Celular e Tecidual (LBCT) do Centro de Biociências e Biotecnologia (CBB) da UENF.


SUGESTÃO DE LEITURA:

Monti MM, Vanhaudenhuyse A, Coleman MR, Boly M, Pickard JD, Tshibanda L, Owen AM, Laureys S. Willful modulation of brain activity in disorders of consciousness. N Engl J Med. 2010 362(7):579-89.

Cruse D, Chennu S, Chatelle C, Bekinschtein TA, Fernández-Espejo D, Pickard JD, Laureys S, Owen AM. Bedside detection of awareness in the vegetative state: a cohort study. Lancet. 2011 378(9809):2088-94.

quarta-feira, 6 de fevereiro de 2013

Transporte a um real

Isroberta Rosa Araújo

Pesquisa mostra que política não conseguiu promover uma maior acessibilidade em Campos dos Goytacazes (RJ)

Até que ponto a política de ‘transporte a um real’, implantada há cerca de quatro anos em Campos dos Goytavazes (RJ), conseguiu promover uma maior acessibilidade? Esta foi uma das questões que Isroberta Rosa Araújo buscou descobrir em sua pesquisa de mestrado pelo Programa de Pós-Graduação em Políticas Sociais da UENF. Intitulada ‘Mobilidade urbana e políticas públicas no município de Campos dos Goytacazes: um estudo da política de transportes a um real’, a pesquisa teve a orientação do professor Hernán Armando Mamani.

Segundo Isroberta, a política proporcionou aumento da mobilidade, mas não da acessibilidade, pois não conseguiu promover a democratização dos espaços da cidade. A diminuição do preço da passagem provocou um aumento considerável do número de usuários, mas este não foi acompanhado pela melhoria da prestação de serviços.

— Os problemas foram potencializados, pois os ônibus trafegam lotados, em péssimas condições de uso e com frota antiga, ultrapassando algumas vezes a idade de uso — diz.

Como argumenta Isroberta, a oferta inadequada de transporte coletivo vem estimulando o uso do transporte individual, aumentando os níveis de poluição e congestionamentos em Campos. Ela observa que o sistema viário ideal é aquele que prioriza a dimensão humana, facilitando a circulação de pedestres, ciclistas e meios de transporte público coletivo, em detrimento do transporte individual motorizado.

— Ao mesmo tempo, a falta de planejamento e controle do uso do solo provoca a expansão urbana horizontal, aumentando as distâncias a serem percorridas e os custos da provisão dos serviços para as áreas periféricas, onde a oferta se torna deficitária — afirma.

De acordo com a pesquisadora, a política de transporte a um real é deficiente, pois não é acompanhada de medidas de planejamento urbano que ordenem as atividades de uso do solo com as de transporte, de forma articulada. Esta ausência de planejamento, afirma, compromete a mobilidade e a acessibilidade urbana, além de criar desconforto para a população.

— A boa mobilidade é fruto de políticas que, entre outras coisas, proporcionem o acesso amplo e democrático ao espaço urbano, priorizem os modos coletivos e não individuais e motorizados de transporte, eliminem ou reduzam a segregação espacial e, por fim, contribuam para a inclusão social, favorecendo também a sustentabilidade ambiental — diz.

Se você quiser saber mais, veja a dissertação de Isroberta aqui.

Fúlvia D'Alessandri