sexta-feira, 4 de setembro de 2015

Coluna Nutrição: Alimentos transgênicos




Alimentos transgênicos: até onde vai a autonomia do consumidor brasileiro em fazer sua escolha?

André Rodrigues da Costa e Karla Silva Ferreira

Os alimentos transgênicos são aqueles derivados de organismos vegetais geneticamente modificados, ou seja, que foram alterados pelo homem a fim de expressar uma característica desejada do ponto de vista agronômico ou nutricional. Em termos práticos, a planta passa a produzir ou conter alguma substância que não apresentaria naturalmente (3).

Esses alimentos estão cada vez mais presentes em nosso cotidiano. Dentre os mais comercializados estão os originados de grãos, principalmente milho e soja. Há, ainda, em outros países, hortaliças transgênicas como batata inglesa e tomate (4;6).






Além do impacto ambiental potencialmente imprevisível do cultivo de transgênicos, seu efeito na saúde humana tem sido motivo de divergências no meio científico. Foram relatados casos de hipersensibilidade e reações alérgicas devido ao consumo de soja e milho transgênicos, além do risco de propagação do transgene (parte genética modificada) para outras variedades e, ou espécies, o que torna ainda mais imprevisíveis as consequências do uso desses organismos (6;8;10).

Em 2012, pesquisadores da Universidade de Caen, na França, publicaram um estudo em que observaram maior incidência de tumores e menor expectativa de vida em ratos alimentados com uma variedade de milho transgênico, mais especificamente a variedade NK603, de patente da empresa americana Monsanto. Os cientistas analisaram por dois anos os efeitos na saúde de ratos e concluíram que os ratos alimentados com este milho transgênico apresentaram maior tendência ao desenvolvimento de tumores do que os ratos alimentados com milho não transgênico. Os resultados do estudo foram contestados e o artigo foi retirado do periódico científico Food and Chemical Toxicology (12). Porém, em 2014, o artigo foi republicado em outra revista científica (Enviromental Sciences Europe), sendo mantidas suas conclusões sobre os prejuízos à saúde dos ratos, provocados pelo milho NK 603 e pelo pesticida Roundup utilizado na cultura, também de patente da empresa Monsanto (13). Em 2014, outra variedade de milho transgênico (MON 810), resistente a insetos e pertencente à Monsanto, teve o cultivo definitivamente proibido na França. Também pesam sobre o MON 810 evidências de toxicidade a mamíferos (1;15).

No Brasil são liberados para plantio e comercialização soja, algodão e milho transgênicos, inclusive as variedades NK 603 e MON 810. Recentemente, foi liberado também o cultivo de eucalipto transgênico. Segundo a empresa responsável, o eucalipto Futuragene possui maior produtividade e não causa danos ao meio ambiente. Porém, diversos órgãos ligados à agricultura familiar assinaram um manifesto em que pedem a retirada de todos os pedidos de liberação de eucalipto transgênico na CTNBIO, órgão responsável pela liberação de produtos transgênicos. Estes grupos alegam que o cultivo do eucalipto transgênico acarreta consequências indesejáveis, dentre eles a contaminação de mel orgânico, uma vez que as abelhas levariam pólen transgênico às colmeias e a outras variedades de eucalipto. Isso prejudicaria os produtores de mel orgânico, que poderiam perder a certificação do produto devido à presença de transgenes. Vale lembrar que o cultivo de árvores transgênicas não é permitido em nenhum outro país do mundo (2;5;9;14).

Em vários aspectos, o Brasil tem ido na contramão das tendências de alguns países, principalmente da União Europeia, na cautela do uso e plantio de transgênicos. Neste ano, a Câmara dos Deputados aprovou o projeto de lei 4148/2008, que desobriga indústrias de imprimirem no rótulo o “T” maiúsculo com destaque em amarelo, que facilita ao consumidor identificar os alimentos que contêm transgênicos.  O texto foi enviado para o Senado. Se aprovado, a informação da presença de qualquer ingrediente de origem transgênica em nível superior a 1% no alimento constará no rótulo em letras no tamanho especificado na legislação existente, porém sem destaque especial, o que tornará ainda mais difícil sua identificação pelos consumidores (1;3;7).





A responsabilidade na liberação para produção e comercialização de produtos transgênicos deve ficar acima de qualquer interesse econômico, seja ele de empresas ou de países produtores. O uso de transgênicos na agricultura e na alimentação deveria ser permitido apenas após conclusões cientificamente embasadas e incontestáveis de que não oferecem risco à saúde e ao ambiente. E ainda assim, este tipo de produto deve ser devidamente identificado para garantir o direito de escolha do consumidor.

Referências:

1. AFP. França proíbe definitivamente milho transgênico da Monsanto. Revista Exame, 05/05/2014. Disponível em:
<http://exame.abril.com.br/mundo/noticias/franca-proibe-definitivamente-milho-transgenico-da-monsanto> Acesso em 02/09/2015.
2. BENTO FILHO, W. Brasil é o primeiro país a liberar plantio de eucalipto transgênico. Correio Braziliense, 10/04/2015. Disponível em:<http://www.correiobraziliense.com.br/app/noticia/brasil/2015/04/10/internas_polbraeco,478871/brasil-e-o-primeiro-pais-a-liberar-plantio-de-eucalipto-transgenico.shtml> Acesso em 20/07/2015.
3. BIOSSEGURANÇA E PRINCÍPIO DA PRECAUÇÃO O caso da França e da União Européia Gilles Ferment MDA Brasília, 2008 Ferment, Gilles. Biossegurança e princípio da precaução: o caso da França e da União Européia / Gilles Ferment. -- Brasília: MDA, 2008. 52 p.; 22 cm. -- (Nead Estudos; 22).
4. CARRINGTON, C. M. S.; GREVE, L. C.; LABAVITCH, J. M. Cell wall metabolismo in ripening fruit. VI. Effect of antisense polygalacturonase gene on cell wall changes acompanying ripening in transgenic tomatoes. Plant Physiol. V. 103, p 429-434, 1993, citado por
5. Em: < http://www.ctnbio.gov.br/index.php/content/view/12482.html> Acesso em 02/09/2015.
6. FINARDI, F.F. Plantas transgênicas e a segurança alimentar. In: REUNIÃO ANUAL DA SBPC, 51. 1999, Porto Alegre. Palestra apresentada no Simpósio
“Plantas Transgênicas: da Genética aos Alimentos. Porto Alegre : SBPC, 1999. 8p.
7. LIMA, G. Aprovado projeto que dispensa símbolo da transgenia em rótulos de produtos. Câmara Notícias, 28/04/2015. Disponível em:< http://www2.camara.leg.br/camaranoticias/noticias/CONSUMIDOR/486822-APROVADO-PROJETO-QUE-DISPENSA-SIMBOLO-DA-TRANSGENIA-EM-ROTULOS-DE-PRODUTOS.html> Acesso em 02/09/2015.
8. LOSADA, A. O.; FONSECA, C. A. G. Alimentos transgénicos y alergenicidad. Rev. Fac. Med., Bogotá, v.55, p.251-269, 2007.
9. NASSAR, N. Eucalipto transgênico representa um risco à saúde pública. UnB Agência, 31/03/2015. Disponível em:<http://www.unb.br/noticias/unbagencia/artigo.php?id=819>. Acesso em 20/07/2015.
10. NODARI, R. O.; GUERRA, M. P. Transgenic plants and their products: effects, risks and food safety (Biosafety of transgenic plants). Rev. Nutr., Campinas, 16(1):105-116, jan./mar., 2003.
11. PADGETTE, S.R., TAYLOR, N.B., NIDA, D.L., BAILEY, M.R., MACDONALD, J., HOLDEN., L.R., FUCHS, R.L. The composition of glyphosate-tolerant soybean seeds is equivalent to that of conventional soybeans. Journal of Nutrition, Philadelphia, v.126, n.3, p.702-716, 1996.
12. SERALINI G. E.;   CLAIR E.  ; MESNAGE R. ; GRESS, S.  ; DEFARGE N.; MALATESTA, M.;  HENNEQUIN D.;   VENDÔMOIS, J. S. RETRACTED: Long term toxicity of a Roundup herbicide and a Roundup-tolerant genetically modified maize. Food and Chemical Toxicology. v.50, Issue 11, p.4221-4231, novembro 2012.
13. SERALINI G. E.;   CLAIR E.  ; MESNAGE R. ; GRESS, S.  ; DEFARGE N.; MALATESTA, M.;  HENNEQUIN D.;   VENDÔMOIS, J. S. Republished study: long-term toxicity of a Roundup herbicide and a Roundup-tolerant genetically modified maize. Environmental Sciences Europe, Caen, v.26:14, p.1-17, 2014.
14. TOKARNAIA, M., AMADO, A. Para professor da USP, liberação do eucalipto transgênico é um erro. Portal EBC, 09/04/2015. Disponível em:< http://www.ebc.com.br/tecnologia/2015/04/para-professor-da-usp-liberacao-do-eucalipto-transgenico-e-um-erro>. Acesso em: 20/07/2015.
15. VENDOMOIS, J. S.; ROULLIER, F.; CELLIER, D.; SÉRALINI, G. E. A Comparison of the Effects of Three GM Corn Varieties on Mammalian Health. International Journal of Biological Sciences, Paris, v.5, p.706-726, 2009.

2 comentários:

  1. André e Karla, a lei brasileira obriga a rotulagem dos transgênicos para alimentação. Assim, a menos que seja mudada, ela deve ser cumprida. Se isso de fato protege o consumidor de algum dano a sua saúde ou se consumidor se interessa pela questão, são as sementes para a discussão da lei e para a elaboração de uma nova.
    A questão central da rotulagem é a proteção ao consumidor. A rotulagem obrigatória não está voltada a princípios religiosos, filosóficos ou outros quaisquer. Assim, se temos a rotulagem de produtos kosher, por exemplo, ela atende aos que demandam um alimento preparado de acordo com este princípio, mas não é obrigatória e é regulamentada, executada e em parte fiscalizada pelo entidade religiosa. A pergunta é: os alimentos transgênicos que estão no mercado, de acordo com nossa legislação, representam algum risco à saúde humana ou animal? A resposta, claramente, é: não. Todos os organismos geneticamente modificados que estão no mercado brasileiro foram avaliados e aprovados pelo órgão competente, isto é, a CTNBio. Qualquer um pode discordar desta decisão, por várias razões, mas ela coincide com a decisão de todos os demais órgãos similares no Mundo: a EFSA europeia, o OGTR australiano, a FDA e o EPA norte-americanos, a agência canadense e por aí vai. Sem uma única exceção. Isso dá à decisão brasileira um enorme respaldo. As decisões de moratória têm sido sempre políticas, à revelia da opinião técnica do órgão regulador. E as opiniões contrárias provêm em geral de ativistas contra a biotecnologia ou de cientistas a eles alinhados (o Séralini e seu grupo e mais dois ou três grupos similares).
    Sabendo disso, podemos considerar os alimentos seguros. Porque, então, rotular?
    As dúvidas sobre a segurança que vocês apontaram foram e são rotineiramente analisadas pelos órgãos técnicos: potencial alergênico das proteínas (estudo baseado em análise bioinformática) e estudos de toxicidade (estudos baseados em digestibilidade enzimática e ensaios de toxicidade aguda). As questões ambientais foram exaustivamente avaliadas (fluxo gênico e fixação em espécies novas e variedades, toxicidade para insetos não alvo e muitas outras) e os riscos, igualmente, foram considerados negligenciáveis (que é um nome técnico para dizer “quase nulos”). Somando as avaliações de saúde e ambientais, a conclusão para todos os OGMs até agora analisados é a mesma, aqui e em outros países: o risco é muito pequeno, efetivamente nulo, quando comparado à mesma planta não geneticamente transformada.
    Em tempo: as referências bibliográficas citam muitas opiniões de jornal e aqui e ali um livro ou um artigo cientifico. Mas a questão da segurança dos transgênicos já foi tratada à exaustão e há revisões excelentes de órgãos de peso, com a FAO, a Academia Norte Americana de Ciências e muitas outras. Não é assunto que, de fato, tenha incertezas cruciais, e deve ser tratado como tal ou resvalamos para a área das opiniões pessoais. Saudações.
    Paulo Andrade, Depto. Genética/ UFPE

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  2. André e Karla,

    A lei brasileira obriga a rotulagem dos transgênicos para alimentação. Assim, a menos que seja mudada, ela deve ser cumprida. Se isso de fato protege o consumidor de algum dano a sua saúde ou se o consumidor se interessa pela questão, são as sementes para a discussão da lei e para a elaboração de uma nova.

    A questão central da rotulagem é a proteção ao consumidor. A rotulagem obrigatória não está voltada a princípios religiosos, filosóficos ou outros quaisquer. Assim, se temos a rotulagem de produtos kosher ou halal, por exemplo (http://www.abiec.com.br/3_hek.asp), ela atende aos que demandam um alimento preparado de acordo com estes princípios religiosos, mas não é obrigatória e é regulamentada, executada e em parte fiscalizada pelas entidades religiosas respectivas (veja, por exemplo, http://judaismohumanista.ning.com/forum/topics/lan-ada-nova-rotulagem-oficial-para-alimentos-kasher). A pergunta então é: a par das questões filosóficas ou de temores fundados na percepção de riscos, acaso os alimentos transgênicos que estão no mercado, de acordo com nossa legislação, representam algum risco à saúde humana ou animal? A resposta, claramente, é: não.

    Todos os organismos geneticamente modificados que estão no mercado brasileiro foram avaliados e aprovados pelo órgão competente, isto é, a CTNBio. Qualquer um pode discordar desta decisão, por várias razões, mas ela coincide com a decisão de todos os demais órgãos similares no Mundo: a EFSA europeia, o OGTR australiano, a FDA e o EPA norte-americanos, a agência canadense e por aí vai. Sem uma única exceção. Isso dá à decisão brasileira um enorme respaldo. As decisões de moratória têm sido sempre políticas, à revelia da opinião técnica do órgão regulador. E as opiniões contrárias provêm em geral de ativistas contra a biotecnologia ou de cientistas a eles alinhados (o Séralini e seu grupo e mais dois ou três grupos similares).

    Sabendo disso, podemos considerar os alimentos seguros. Porque, então, rotular?
    As dúvidas sobre a segurança que são em geral apontadas na mídia foram rotineiramente analisadas pelos órgãos técnicos: potencial alergênico das proteínas (estudo baseado em análise bioinformática) e estudos de toxicidade (estudos baseados em digestibilidade enzimática e ensaios de toxicidade aguda). Também as questões ambientais foram exaustivamente avaliadas (fluxo gênico e fixação em espécies novas e variedades, toxicidade para insetos não alvo e muitas outras) e os riscos, igualmente, foram considerados negligenciáveis (que é um nome técnico para dizer “quase nulos”). Somando as avaliações de saúde e ambientais, a conclusão para todos os OGMs até agora analisados é a mesma, aqui e em outros países: o risco é muito pequeno, efetivamente nulo, quando comparado à mesma planta não geneticamente transformada.

    Em resumo: embora a percepção de risco indique que os transgênicos podem ser perigosos como alimentos, a avaliação de risco indica o contrário. Um país não deve tomar decisões em cima de percepções de risco, que são muito variáveis de pessoa para pessoa e mudam também em diferentes circunstâncias. A decisão tem que ser técnica, respeitando os princípios científicos da avaliação de risco. Assim foi com as vacinas, a fluoretação da água, a adição se sal no iodo e muitas outras coisas que são, até hoje, combatidas por grupos mais ou menos amplos da sociedade em função de sua percepção de risco. A obrigação legal de tal ou qual ação baseada nestas percepções de risco traz sempre problemas financeiros, dentre outros, sem contribuir um cêntimo para a saúde pública e a nutrição dos brasileiros.

    Paulo Andrade, Depto. Genética/ UFPE

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