Incompatibilidade entre alguns nutrientes: a hora do cálcio não pode ser a hora do ferro nem de zinco e o excesso de ferro e fibras prejudicam a absorção do zinco!
Taylane Fragoso de Freitas e Karla Silva Ferreira
Com a correria do dia a dia, as propagandas, a medicina ortomolecular, a preocupação com o estado nutricional, dentre outros fatores, é raro encontrar alguém que não faça uso de algum suplemento nutricional ou nutracêutico. Sendo assim, é importante saber a hora certa de usar cada mineral ou suplemento de forma que sejam melhor aproveitados pelo organismo e não atrapalhem a absorção de outros nutrientes.
Há muito tempo tem-se observado que dietas ricas em cálcio diminuem a biodisponibilidade do ferro e este efeito vem sendo muito pesquisado em função da recomendação dos suplementos de cálcio para prevenção da osteoporose. Alguns trabalhos têm demonstrado que determinadas formas de suplementos de cálcio podem inibir a absorção de Ferro “não heme”, que é o ferro encontrado nos vegetais, por exemplo no feijão, na soja, na lentilha e no espinafre e também no sulfato ferroso. Já a absorção do ferro “heme”, que é o presente nas carnes, parece não ser inibida pelo cálcio.
A deficiência de ferro é uma das deficiências nutricionais mais comuns. Ela ocorre com mais frequência em mulheres durante o período fértil devido à perda de sangue na menstruação, em idosos, pela má absorção, e também em crianças. Portanto, considerando o efeito inibidor do cálcio na absorção do ferro, os suplementos e alimentos fontes de cálcio, tais como leite, queijo, carbonato de cálcio, dentre outros, devem ser consumidos fora dos horários das refeições principais (almoço e jantar), visto que elas são as mais ricas em ferro. Estudo de Gleerup et al. (1995) sobre a absorção de ferro de uma dieta completa associada a diferentes horários de ingestão de cálcio conclui que a absorção de ferro diário poderia aumentar em 34% se a ingestão de cálcio fosse apenas no desjejum e na ceia noturna.
O excesso de ferro na alimentação também pode interferir na biodisponibilidade de zinco e vice-versa quando ocorre de um estar em quantidade muito elevada em relação ao outro. Portanto, caso haja necessidade de suplementação com um destes minerais, deve-se atentar para a probabilidade da baixa absorção do outro.
Quanto à interação de cálcio e zinco, um efeito mais pronunciado é observado quando a dieta também é rica em fitatos, substância encontrada nos cereais integrais, farelos e leguminosas. O fitato tem carga negativa e se liga com facilidade aos metais, principalmente ao cálcio e zinco formando um complexo Ca:fitato/Zn que impede a absorção destes minerais. A quantidade de fitato, que é crítica para a formação deste complexo, ainda não foi determinada, mas o prejuízo existe quando há utilização de farelos, nas dietas vegetarianas ou em dietas de populações de países em desenvolvimento, cuja ingestão de zinco é baixa associada a altos teores de fitato (Fairweather-Tait, 1996). Trabalho realizado por Wood e Zheng (1997) também demonstra que a ingestão de 600 mg de cálcio junto com a refeição diminui a absorção de zinco em 50%. Eles concluíram que dietas com altos teores de cálcio podem aumentar as necessidades de zinco em humanos adultos.
Diante disso, o ideal é que os alimentos fonte e a suplementação de cálcio sejam priorizados nas pequenas refeições (desjejum e ceia) e a suplementação de ferro e zinco devem ser priorizadas nas refeições principais (almoço e jantar) (Figura 1).
É importante enfatizar que muitos alimentos fontes de ferro são também fonte de zinco. Entretanto, como estão presentes em pequenas quantidades nos alimentos, pouco afetam a absorção um do outro. Na Tabela 1 são mostrados os teores de cálcio, ferro e zinco em alguns alimentos.
Em contrapartida, na pescrição dietética, o nutricionista deve levar em consideração casos em que o indivíduo apresenta excesso de ferro no corpo (elevado hematócrito e aumento da quantidade de ferritina no sangue, elevando a formação de radicais livres). Sendo assim, não há neste caso tanta preocupação com minerais que inibem a absorção de ferro. Pelo contrário, o ideal é retirar alimentos fonte de ferro ou usar estratégias que diminuem sua absorção.
As necessidades nutricionais variam conforme a idade e estado fisiológico. Para um adulto saudável, a Organização Mundial de Saúde recomenda uma ingestão diária de cálcio de 1000 mg/dia. Para o zinco, a recomendação é de 11 mg por dia para homens a partir de 14 anos e 8 mg por dia para mulheres. Já em relação ao ferro, há maior variação na recomendação devido à perda menstrual na idade fértil. A recomendação é de 14 mg/dia para homens a partir de 14 anos, 8 mg/dia para mulheres a partir de 50 anos, 15 mg/dia para mulheres entre 14 e 18 anos e 18 mg/dia para mulheres entre 19 e 50 anos.
Concluímos com um tradicional conhecimento da nutrição que é o seguinte: a atuação dos nutrientes no organismo ocorre em padrões inter-relacionados, de forma que tanto a ausência de um nutriente quanto seu excesso pode prejudicar a função dos demais. O desbalanceamento da dieta pode ser tão prejudicial quanto a carência de nutrientes específicos (Mahan e Arlin, 1995). Portanto, qualquer suplementação deve ser realizada com cautela, pois a suplementação em excesso pode sobrecarregar fígado e pâncreas, e a suplementação ineficiente não trará os resultados esperados.
Referências
BRASIL. Guia alimentar para a população Brasileira: promovendo a alimentação saudável / Ministério da Saúde, Secretaria de Atenção à Saúde, Coordenação-Geral da Política de Alimentação e Nutrição. Brasília: Ministério da Saúde, 2006.
BRASIL. Resolução da Diretoria Colegiada – RDC n. 359, de 23 de dezembro de 2003. Dispõe sobre porções de alimentos embalados para fins de rotulagem nutricional Diário Oficial da República Federativa do Brasil, Brasília, DF, 23 de dezembro de 2003.
BRASIL. Resolução da Diretoria Colegiada – RDC n. 54, de 12 de novembro de 2012. Dispõe sobre o Regulamento Técnico sobre Informação Nutricional Complementar. Diário Oficial da República Federativa do Brasil, Brasília, DF, 12 de novembro de 2012.
COZZOLINO, S.M.F. Biodisponibilidade de minerais. Rev. Nutr. [online]. 1997, vol.10, n.2, pp.87-98.
FAIRWEATHER-TAIT, S.J. Bioavailability of dietary minerals. Biochemical Society Transactions, Colchester, v.24, n.3, p.775-780, 1996.
GLEERUP, A., ROSSANDER-HULTHEN, L., GRAMATKOVSKI, E., HALLBERG, L. Iron absorption from the whole diet: comparison of the effect of two different distributions of daily calcium intake. American Journal of Clinical Nutrition, Bethesda, v.61, p.97-104, 1995.
MAHAN, L.K., ARLIN, L.T. Krause: alimentos, alimentação e dietoterapia. 8 ed. São Paulo: Rocca, 1995. 957p.
WOOD, R.J., ZHENG, J.J. High dietary calcium intakes reduce zinc absorption and balance in humans. American Journal of Clinical Nutrition, Bethesda, v.65, p.1803-1809, 1997.
UNIVERSIDADE ESTADUAL DE CAMPINAS. Núcleo de Estudos e Pesquisas em Alimentação. Tabela brasileira de composição de alimentos: TACO versão 2. 2. ed. Campinas: Ed. UNICAMP, 2006. 113 p. Disponível em www.unicamp.br/nepa/taco
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