Lílian Bahia |
O artigo é um dos capítulos do livro Toxoplasmosis - Recent Advances, publicado há cerca de cinco meses pela editora InTech na modalidade ‘open access’ (acesso livre de custos). Até o início de fevereiro, o capítulo — que apresenta como coautores alguns dos alunos e ex-alunos do Programa de pós-Graduação em Biociências e Biotecnologia orientados pela professora Lílian — contava com mais de 800 acessos. Nesta entrevista, Lílian comenta o artigo e fala sobre a toxoplasmose, que pode levar à cegueira ou, no caso de pacientes imunodeprimidos, a problemas neurológicos graves.
Ciência UENF - Qual o objetivo de suas pesquisas na área de toxoplasmose?
Lílian - Temos trabalhado em Campos com imunoepidemiologia da toxoplasmose, buscando marcadores moleculares e genéticos associados à manifestação ocular da toxoplasmose. Em nossas pesquisas, observamos que as pessoas que apresentam lesões oculares da toxoplasmose podem ser agrupadas de acordo com o grau de destruição da retina. Quanto mais destruição houver na retina, mais grave será a lesão. Um considerável percentual de pessoas apresenta lesões mais leves. Temos estudado o perfil imunológico e genético para algumas moléculas e genes destas pessoas e observamos que há uma correlação tanto do perfil imunológico quanto do perfil gênico que se associam ou à susceptibilidade ou à resistência para a manifestação ocular da toxoplasmose. Esses estudos são promissores para abrirem novas perspectivas para o tratamento e prevenção da toxoplasmose.
Ciência UENF – Como a toxoplasmose é adquirida?
Lílian - A toxoplasmose é uma zoonose (infecção que afeta tanto animais quanto humanos) causada pelo parasita intracelular obrigatório Toxoplasma gondii. Ela pode ser adquirida durante a gestação, das seguintes formas: quando a mãe se infecta estando grávida ou quando se infecta e logo após (um período breve de tempo) engravida. Pode também ser adquirida pela ingestão de cistos do parasita (chamados oocistos) presentes no meio ambiente, que podem contaminar água, solo e plantas (hortaliças). Pode ainda ser adquirida pela ingestão de cistos do parasita presentes em carnes para consumo humano mal passadas, em especial a carne de carneiro e a de porco. E ainda é possível adquirir a toxoplasmose em situações de transplante de órgãos, como, por exemplo, quando o doador tem toxoplasmose e o receptor não tem.
Ciência UENF - E quais os sintomas da doença?
Toxoplasma gondii |
Ciência UENF – E quanto à infecção adquirida durante à gestação?
Lílian - Na infecção adquirida durante a gestação, os sintomas e sinais dependem da etapa da gestação em que a mãe adquiriu a infecção. Quanto mais cedo na vida gestacional o bebê for infectado, mais grave será a infecção, que pode inclusive causar o aborto. Os sinais podem ou não ser evidentes ao nascimento e também podem ser de ordem neurológica e oftalmológica. Novamente, nos casos em que os sinais não forem evidentes ao nascimento ou na primeira infância, poderão ser relatados tardiamente quando a criança for capaz de constatar uma baixa visual, por exemplo. Da mesma maneira, a pessoa que adquiriu toxoplasmose na vida intrauterina correrá os riscos de apresentar sintomas neurológicos e/ou visuais nas mesmas situações em que apresenta uma pessoa que adquiriu a toxoplasmose após o nascimento, ou seja, em situações de infecções pelo HIV, alguns tipos de câncer e em transplantes de órgãos.
Ciência UENF – Como é o tratamento?
Lílian - O tratamento é feito à base de sulfas e pirimetaminas. Via de regra, estes medicamentos não curam a doença, mas são prescritos para crianças e em casos de doença neurológica e ocular com o objetivo de diminuir a quantidade de parasitas livres que saem das células para infectar outras células, ou seja, outros tecidos. O tratamento não elimina (mata) os protozoários que já estão dentro de cistos, os quais têm uma eficiência grande para encistar rapidamente.
Ciência UENF – Como é a situação da doença em Campos dos Goytacazes?
Lílian - Em Campos, assim como em outras regiões do Brasil, a toxoplasmose é altamente endêmica, ou seja muito prevalente, principalmente para a população exposta ao risco de infecção ambiental por educação precária, falta de acesso à água tratada e à rede de esgoto, isto é, a população economicamente mais sacrificada.
Ciência UENF - O que você relata no capítulo do livro recém publicado?
Lílian - O reconhecimento das cicatrizes encontradas na retina e coroide de pacientes com toxoplasmose, e que presumivelmente são causadas pela infecção com o parasito Toxoplasma gondii, é subjetivo e condicionado à experiência individual do médico oftalmologista que examina o paciente. Algumas cicatrizes são universalmente reconhecidas pela grande maioria dos oftalmologistas. Já outras podem deixar margens de dúvida quanto ao agente etiológico. Neste capítulo mostramos evidências epidemiológicas relativas ao perfil genético e à resposta imune específica ao parasito por parte de pacientes portadores de lesões na retina e ou retina e coroide que dão suporte à classificação de lesões que podem não vir a ser reconhecidas/identificadas como sendo causadas pela infecção com o parasito Toxoplasma gondii. Nossa proposta tem o potencial de auxiliar a melhor compreensão dos fenômenos envolvidos na relação parasito-hospedeiro na toxoplasmose ocular e pode vir a ser útil para auxiliar no manejo clínico da toxoplasmose ocular bem como para melhor estimar a real prevalência da toxoplasmose ocular no mundo, em especial no Brasil. No Brasil há discrepâncias entre a prevalência da toxoplasmose ocular em áreas de prevalência sorológica similar para a toxoplasmose. Essa última questão é bem discutida no capítulo tomando como exemplo ilustrativo algumas áreas estudadas no Brasil.
Fúlvia D'Alessandri
Nenhum comentário:
Postar um comentário